por
T. Austin-Sparks
Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Jul-Ago 1952, Vol. 30-4. Origem: "The Reward of Labour and Suffering". (Traduzido por Maria P. Ewald)
Leitura: Números 27:1-7; Josué 15:13-19; Romanos 8:17
Vou discorrer apenas sobre um ponto relacionado a palavra herança, que é uma palavra amplamente mencionada no Novo Testamento. Em primeiro lugar, a herança primeiramente é relacionada como o direito de nascimento; mas também é estendida a um legado, um dom; e então, mais a frente ela é aplicada como uma recompensa a um labor ou serviço. É nessa última conexão que minha exposição se apóia.
Primeiro precisamos reconhecer que tudo é pela graça – e nem por um momento extrair nem uma vírgula desse grande fato. A própria capacitação para o labor pela recompensa é por meio da graça. Tomando isso como verdade, vemos amplamente revelado esse outro aspecto da herança, que é uma questão de recompensa pelo serviço e sofrimento. Receber a herança pelo trabalho, entrar nos frutos do trabalho, herdar pela batalha, receber o espólio da batalha, passar pelo sofrimento e ser recompensado por ele. É pelo esforço, sofrimento, que haverá uma gratificação, e a gratificação será o salário. Enquanto que sabemos que toda a capacitação para o sofrimento e esforço vem pela graça, ainda assim temos sofrido, trabalhado, batalhado, e Deus, em sua fidelidade, tem uma provisão para isso – haverão recompensas - existe aquele senso de conquista. Não existe maior gratificação do que saber que, através do labor e sofrimento, algo foi alcançado.
É exatamente nesse ponto que aponto meu dedo. O verdadeiro coração do sofrimento, do ser co-herdeiro com Cristo, é o maravilhoso sentimento de um relacionamento interior com aquilo que almejamos, um relacionamento interior com a herança, com o resultado e a recompensa. E essa é a causa do sofrimento, trabalho e conflito. O Senhor não nos dá as coisas sem nenhum custo. Eles sempre nos traz ao custo daquilo que Ele vai dar. Tudo será pela graça do início ao fim, mas Ele nos introduz no preço da recompensa. No final, digo mais uma vez, vamos reconhecer que qualquer parte que tivemos nisso, por meio do sofrimento, trabalho e batalha foi infinitamente superado pelo que Ele deu – e é aí que a graça sempre será o nosso tema. Entretanto acredito que misturado com nossa gratidão haverá esse sentido que o Senhor nos capacitou para conquistar, que Ele não agiu independente de nós, sem a nossa cooperação. Ele nos trouxe a isso, e haverá esse profundo, interior, sentimento de cumplicidade no resultado, de que vamos compartilhar com Ele a gratificação. Esse é o verdadeiro coração do sofrimento, acredito eu.
Porque eu estou falando isso? Onde isso nasceu? Ou como isso nasceu? Foi de uma maneira bem prática. Eu acabei de retornar de um tempo nos Estados Unidos, e esse não foi um tempo de maneira nenhuma fácil – pelo contrário. Estávamos profundamente gratos porque todo o tempo nossos amigos queridos estavam tantas horas à frente de nós. Na parte Leste dos Estados Unidos eles estavam quatro horas à frente. Quando chegamos mais ao Oeste estávamos seis horas adiantados, e sempre nos lembravamos de orar para que nossos encontros de oração estivessem à nossa frente. Eles aconteciam antes, e chegávamos sempre na sequência, na nossa própria oração, no conflito e na pressão, seguindo, e, como acreditamos, sendo conduzidos em frente. E então me ocorreu isso: Esses preciosos irmãos estão bem na batalha, e se existe algo que é realmente para o Senhor, e resulta em algo para Ele, pertence a eles, tanto quanto pertence a nós. É deles, e em um certo sentido eles vão possuir; será, por assim dizer, a propriedade deles. Eles lutaram por isso, sofreram, perseveraram, labutaram. Eles foram em frente arando o caminho, como pioneiros, e é deles.
Esse é o pensamento bem no coração dessa exposição, que existe algo que se torna nosso pelo sofrimento. Sim, é do Senhor, e é tudo por Sua graça, mas é nosso.
Isso significa que certamente nos tornamos bastante ciumentos daquilo pelo qual laboramos, sofremos, tivemos dores de parto. O sofrer por algo é purificador. Tome o exemplo de uma criança pela qual houve sofrimento, dores de parto. Outras pessoas que não sofreram essas dores podem ver todos os seus defeitos e transmitir suas críticas e julgamentos, bons ou ruins, sobre a criança, e apenas se posicionar de fora e dizer o que for sobre ela. Entretanto a mãe vai ver muito pouco disso. Existe algo pra a mãe que transcende tudo mais. ‘Oh, sim, você pode dizer isso, mas essa criança é muito preciosa para mim. Eu sofri por ela, ela é minha criança, a criança do meu coração e das minhas dores, e, apesar de ver essas faltas, existe algo que cobre todas elas, existe o ciúme de um amor que nasceu do sofrimento’.
Agora você sabe onde eu quero chegar. Não existe nada que é precioso para o Senhor, e que Ele torne propriedade do Seu povo, sem que haja sofrimento envolvido. Apenas se tornará a propriedade deles – nesse sentido – à medida que eles sofrem por isso, e ai daqueles que criticarem! Se você está desconectado de algo, de um testemunho, de uma obra de Deus, você pode fazer todas as críticas que desejar. Se você não tem um relacionamento interior no seu coração com algo, pode julgar à vontade. Mas se você está ligado uma coisa e tem sofrido, tem sido algo custoso naquilo que te diz respeito, você está vendo mais do que as falhas, mais do que as faltas. As pessoas que podem criticar assim, julgar, apontar as falhas, são aquelas que não sofreram.
Por outro lado, podemos conhecer todos os termos, fraseologia, doutrina, verdade, e isso pode ser apenas de caráter objetivo, algo que ouvimos; vivemos em meio a isso e é familiar para nós. Mas o que o Senhor vai fazer é nos levar a sofrer dores de parto sobre esse assunto, até ele se tornar nosso. O Senhor vai te relacionar a isso em seus corações de uma forma profunda, interior, até que nenhum de nós possa dizer, ‘Eu sei tudo sobre isso, já ouvi tudo a esse respeito, posso te falar de antemão tudo que você vai me falar’. O Senhor vai trabalhar algo de uma forma tão custosa, profunda e dolorosa em relação a essa questão, e vai torná-la sua por meio de dores de parto, que você será trazido a uma nova posição. Não somos expectadores, observando, criticando; estamos dentro, olhando pra fora, defendendo. Temos ciúmes. Sofrimento é algo muito purificador. Ele destrói o egoísmo. Destrói o interesse próprio que é a causa de tanto problema. Ele nos torna enciumados de uma forma altruísta por aquilo que é de Deus. Sim, sofrimento purifica, e sofrimento cria uma conexão profunda e interior.
Ele dá uma novo aspecto às coisas. Essa nova característica onde não podemos estar apenas ocupados com faltas e ser pessoas com uma atitude crítica, mas com um amor que cobre uma multidão de pecados. Sofremos juntos. Quando sofremos juntos, passamos por cima de muitas coisas! Passamos por isso juntos, talvez por muitos anos. Estivemos no fogo juntos, e existe um amor, um ciúme que simplesmente surge em nós porque sofremos, e que as outras pessoas que critiquem o quanto for.
“Ora, se somos filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo; se com ele sofremos, também com ele seremos glorificados. Isso significa que certamente aquilo pelo qual laboramos, sofremos, tivemos dores de parto, se torna” (Rm 8:17). Isso não é algo oficial, ou um dom gratuito recebido de uma forma mecânica, por assim dizer, ‘Bem, você fez um pouco de trabalho, aqui está o seu pagamento’. Aquilo foi forjado em nós por meio do sofrimento, do preço, da batalha e do labor, e existe um sentido de uma co-herança interior com Cristo. Haverá algo muito abençoado, saberemos o quanto somos dependentes da graça de Deus, e quão pouco podemos suportar sem o apoio dela; será uma coisa maravilhosa quando, ao fim de tudo, Ele disser, ‘Essa é a recompenas do seu sofrimento’. Diremos, ‘enfim, depois de tudo, foi leve a nossa aflição – à luz do mais excepcional e eterno peso da glória. Como conseguimos ganhar isso?’ Mas haverá uma gratificação em reconhecer que o Senhor levou em consideração o que passamos, e trouxe a nós um senso de Sua própria gratificação, e isso nos leva a sentir – ‘bem, isso não foi em vão, não foi sem proveito.’
Porque li essas passagens do Antigo Testamento de Números e Josué? Porque ambas tem a ver com herança. Eu as li por essa razão, porque existem pessoas que, em primeiro lugar, estavam engajadas, enciumadas pelas herança. Eles eram o povo que foi preparado para entrar no custo dessa herança, e depois que passaram ele, a herança era deles. Sim, era do Senhor, mas era deles também. Você vê o que eu quero dizer? É deles. E muitos de nós tem passado por anos de trabalhando duro, em sofrimento, labutando e batalhando pelos interesses do Senhor, e se existe algo que vai ser fruto disso, é nosso, nesse sentido – que teremos ciúmes, aquele tipo de ciúme correto. Pertence a nós no Senhor. Sim, é do Senhor, mas pertence a nós Nele, o fruto do sofrimento e dores de parto. Foi sua fidelidadade em oração tanto pessoal como em conjunto – não foi sem custo que você perseverou assim. Sua fidelidade em sustentar aqueles que saíram para pregar o evangelho – isso custou. Olhe os anos que passaram, e veja que não foi sem preço que as coisas aconteceram. O Senhor te deu a sua herança, é sua. Todo o valor espiritual eterno é seu em Cristo. Por isso busque isso, entesoure, proteja com todo o coração, defenda de todos os ataques. Se pelo menos tivéssemos esse senso interior de identidade com tudo que tem um preço, que diferença isso iria fazer, seríamos muito menos propensos a ver defeitos e faltas!
Que o Senhor nos leve a entender o sentido do conflito e sofrimento do Seu ponto de vista, porque isso não é apenas para obter algo para Ele, e digo isso com reverência. Ele deseja que tenhamos uma identidade interior com isso, como uma parte de nós mesmos. Eu creio que essa é a própria essêcia de sermos co-herdeiros com Jesus Cristo. O que significa herdar se sofrermos? Certamente significa – ‘Isso é o que você conquistou através da graça de Deus. Aqui está: você pagou por essa comunhão com Cristo’. Eu não entendo tudo o que o Novo Testamento quer dizer quando menciona ‘sofrendo junto com Ele’, ‘cumprir o que falta das aflições de Cristo pelo Seu Corpo, que é a Igreja’ – não consigo entender algo diferente disso: que o Senhor não deseja que sejamos como peças de um maquinário para fazer algo para Ele. Ele deseja uma real indentidade de coração: ou seja, à medida que sofremos com Ele – e estamos sofrendo junto com Ele, e não há dúvida quanto a isso – seremos gratificados com Ele. Glorificados, sim, mas gratificados; o profundo senso de gratificação por termos tomado parte nisso. Que o Senhor nos dê uma atitude correta para com todo o custo.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.