Austin-Sparks.net

Proximidade de Cristo

por T. Austin-Sparks

Primeiramente publicado na revista "A Witness and A Testimony", em Mai-Jun 1930, Vol. 8-3. Origem:"Proximity to Christ". (Traduzido por Maria P. Ewald)

Mensagem de abertura na Conferência de Páscoa

Leitura: Gênesis 43:1-34; Gênesis 44:1-12

As passagens de Efésios 2:11-13; 17:18 e Mateus 26:39 estão em conexão com os textos para leitura (acima).

Há uma palavra no coração de alguém em conexão com a proximidade com Cristo. A Palavra de Deus deixa evidente que existem diferentes níveis de proximidade para com Cristo. Ou, falando de outra forma, que as distancias em relação à Cristo são muito diferentes, podendo ser maiores ou menores. Vejamos então o que diz o Novo Testamento, de forma literal, sobre esse assunto, para entender o lado espiritual da questão. Examinando a passagem de Mateus 26:30, começamos vendo o Senhor no ponto mais avançado, e encontramos a expressão “adiantando-se um pouco”. O Seu “adiantar-se”, é claro, representava ir até o fim na vontade de Deus. Esse trecho descreve a entrega e a plenitude da Sua separação para a vontade do Pai. Ele foi um pouco além do que qualquer outro, e lá Ele é visto sozinho. A partir desse ponto, podemos perceber as diferentes distâncias que existem até Ele.

Se voltarmos um pouco nesse texto, lendo de trás para a frente, veremos, no versículo anterior, que Jesus tomou Pedro, Tiago e João um pouco além dos outros. Eles foram um pouco mais longe que os demais discípulos, e estavam mais próximos de Jesus do que o resto do grupo que veio para o jardim. Ainda assim, não estavam no mesmo local que Ele. Podemos pensar que conosco aconteceria algo assim: “vamos descer e orar juntos. Existe uma grande batalha acontecendo, algo grande para ser enfrentado, não podemos enfrentar isso sozinhos, vamos orar”. Mas havia algo que tornou necessário que Ele deixasse por um momento aquela comunhão e, ao invés de fazer aquilo que certamente Seu coração mais ansiava, que é, passar pela situação em comunhão com Seus irmãos, ou trazê-los para essa comunhão, Ele foi um pouco mais longe, e a partir dali eles não podiam ir mais a frente. 

Então, lendo mais um versículo atrás, percebemos que oito discípulos são deixados a uma distância maior. Temos então uma distância entre os oito e os três, e outra entre os três e o Senhor. No capítulo um do livro de Atos encontramos cento e vinte pessoas, que certamente eram todas seguidoras de Jesus antes da Cruz. Ou seja, eles não se tornaram discípulos somente a partir do Calvário. Eles eram um grupo maior, mas não estavam no jardim. Eles estavam em algum outro lugar; e não na mesma proximidade do Senhor que os oito ou os três. Se continuarmos lendo mais à frente, em 1 Coríntios 15:6, encontraremos quinhentas pessoas. Paulo diz “Depois, foi visto por mais de quinhentos irmãos de uma só vez”. Onde estão os trezentos e oitenta e os cento e vinte reunidos juntos? Trezentos e oitenta estão faltando, faltando naquele cenáculo em oração durante os dias da espera pela Promessa do Pai. Os quinhentos são espalhados e apenas cento e vinte estão lá, trezentos e oitenta estão em outro lugar. Desta forma literal, podemos perceber o Senhor, um grupo muito pequeno mais próximo Dele; depois um grupo maior que não está tão próximo quanto esse pequeno grupo; e então um grupo ainda maior; e outro maior ainda, e quem pode dizer quantos foram aqueles que estavam mais afastados que todos estes. Proximidade! Acredito que isso é sugestivo no que tange a comunhão espiritual com o Senhor por aqueles que vão um pouco mais longe; que vão até o fim com Ele, que vão chegar a uma comunhão mais íntima e imediata com o Mestre. 

Sabemos de muitos que vão muito longe com o Senhor e então determinam uma linha de proximidade; outros vão um pouco mais longe, e então param pelo caminho, e parece que muito poucos seguem em absoluta unidade com Ele, com Seu coração, Sua mente, Sua vontade. Ele está buscando esses que serão do Seu próprio Espírito, que vão mais longe que os outros, e talvez estejam mais adiante que todos os demais, um pouco mais longe, para os levar ao sofrimento interior secreto do Seu próprio Coração.

Me parece que as diferenças de proximidade com Ele revelam o estado espiritual. Não desejo falar muito sobre isso no sentido literal, mas no sentido espiritual isso é certamente verdade. O estado espiritual é descortinado por quão longe vamos com o Senhor. Para começar, temos a questão da apreensão e apreciação; a compreensão, apreensão do desejo mais íntimo, ansiado e secreto do Senhor e uma apreciação Dele, Sua vontade, Sua mente e propósito. Nos parece que alguns daqueles homens tiveram uma mais plena apreciação e apreensão Dele que os outros, e que, por causa disso, foram mais longe. Não estava Ele em constante sofrimento por essa falta de apreciação e compreensão? Repetidamente, Ele expressou algum sentimento, algum conhecimento interior que eles não percebiam, não tomavam para si e não entendiam. “Tenho ainda muito que vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora” [Jo 16:12]. O tempo todo eles estavam falhando em compreender o fato interior, eles percebiam o exterior e perdiam o interior, não apreciavam Seus sentimentos - “Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os consumir?” mas, “Vós não sabeis de que espírito sois” [Lc 9:54]. Vemos uma falta de apreciação do Seu coração, Seus sentimentos, Seus pensamentos e mente ali.

Se não vamos em frente com Ele, se não vamos encontrar uma resposta em nossos corações, não seria porque não temos uma correta apreciação e apreensão do coração, mente e propósito do Senhor? Então a questão da devoção e sacrifício aconteceria naturalmente, se estivéssemos preparados para pagar o preço de ir em frente. Medir a devoção, o sacrifício, o quanto vai custar, e então, hesitar devido a esse preço. De fato seguir até o fim com o Senhor torna necessário pagar todo o preço, qualquer que ele seja, de sofrimento… sofrimento!

Isso me traz de volta a esses capítulos lidos no início, do livro de Gênesis - essa história incomparável de José e seus irmãos. Essa história conectada com as palavras que lemos na carta de Efésios, expressa uma profunda afinidade espiritual entre essas porções das Escrituras. Vimos recentemente que José representa o Senhor Jesus como o grande Vencedor, Aquele que por direito Divino e revelação foi o objeto de adoração universal, para quem os molhos da terra se dobram e O obedecem, para quem o sol, a lua e as estrelas do Céu também se dobram e O proclamam Senhor. E Este, que passou por rejeição, foi vendido por trinta peças de prata, colocado em cadeias por Seu próprio consentimento - no caso do Senhor Jesus - foi levado aos grilhões, humilhação, a um lugar de trevas onde pode ter parecido que todas as promessas e visões estavam totalmente eclipsadas e impossíveis, mas no final foi exaltado até o Trono. O grande Vencedor! Portanto, por causa “da obediência até a morte”, “pelo que Deus O exaltou” [Fp 2: 8,9]. “Pelo sofrimento da morte” [Hb 2:9] está agora na presença da glória nos Céus. Aqui temos José, ou José é aqui um tipo Dele.

A próxima figura incomparável está na história de Benjamin, que representa o crente como Vencedor. Um estudo sobre Benjamim vai nos ajudar. Ele foi marcado, distinguido. “O pequeno Benjamim”. Benjamim é o Vencedor entre o povo de Deus, assim como José foi distinguido entre os seus irmãos no início como o filho do amor de Deus, Benjamim é chamado o filho da velhice do seu pai, e tudo depende dele, no que tange aos seus irmãos, sem a presença momentânea de José. Então Benjamim é o vencedor entre os seus irmãos. Os irmãos estão a uma distância; todos os outros não tem proximidade com José, que é aquele no trono. Você percebe a distância? Tudo expressa a distância. Não há comunhão. Oh, José geme, ele anseia por aquilo que está na comunhão, mas não pode tê-la ainda. Benjamim não está ali, e então os irmãos são mantidos a uma distância, separados, e ele diz: “É impossível a vocês ver a minha face, chegar a comunhão comigo a não ser que tragam Benjamim”, e lemos o argumento do pai sobre levar Benjamim, e eles se determinaram que não iriam de volta se Benjamim não fosse com eles, porque eles não veriam a sua face; e então, quando eles o levaram, a distância ainda não havia sido superada. José viu Benjamim à distância, e então ordenou ao seu mordomo que servisse sua comida à parte dos demais, e ainda a comida dos seus irmãos separada da dele e da dos demais presentes, não se alimentando juntos ainda: os Egípcios estavam presentes. Sabemos o significado do Egito, a esfera dos recursos naturais, a força da carne.

Como a distância final foi retirada? Como eles todos chegaram a uma comunhão mais próxima em unidade? Ele colocou seu copo de prata no saco de cereais de Benjamim, e quando eles partiram com esse seu objeto, ele enviou seu mordomo a eles e os trouxe de volta. Sabemos o que aconteceu! Esse estratagema, esse truque, por assim dizer, foi o caminho pelo qual tudo foi quebrado. Assim a comunhão foi trazida. O que a trouxe? Foi o seu copo no saco de cereais de Benjamim, seu copo de prata onde ele bebeu. Você compreende? Para os vencedores - um cálice, um cálice de prata. O Mestre disse a eles: “Podeis vós beber o cálice que eu estou para beber?” [Mt 20:22] Eles responderam: “Podemos”! Então Ele disse: “Bebereis o meu cálice”! E isso é absoluta comunhão, é a comunhão no cálice, unidade de cálice, o cálice de prata. Isso representa ir até o fim em grande proximidade - o preço! Você percebe? Não precisamos falar mais.

Essa é a história. O que parece, aos olhos do mundo como um estratagema, um truque, foi uma profunda sabedoria com um motivo de amor por trás, para que eles se tornem UM por meio do cálice. O Espírito escreve profundamente por trás da sabedoria do homem, aquilo que o homem poderia chamar de qualquer coisa, menos sabedoria e amor. O Espírito escreve a história do Calvário como base sobre a qual a perfeita comunhão é trazida entre o Senhor e Seus irmãos. Mas, oh! Existe outra palavra. Benjamim, o último, o menor, foi trazido para essa comunhão em favor de todos os irmãos, os mais importantes de acordo com a carne, mas que são espiritualmente desconsiderados. O Senhor depende que um pequenino chegue à comunhão com Ele no cálice. Este é o vencedor no livro de Apocalipse. Você tem os irmãos nas Igrejas, mas estão espiritualmente distantes, e nas Igrejas você tem um pequeno grupo “vencedor” que entra em comunhão com o Senhor em Sua paixão e dores de parto. Essa é a mensagem dos três primeiros capítulos de Apocalipse. Chegar à comunhão com o Senhor em Sua Cruz, como representação, para salvar o testemunho do Senhor. Você segue em Apocalipse e percebe que o pequeno grupo se torna depois um grupo maior, mas eles estão lá em favor dos outros, os outros nunca estariam ali se eles não chegassem lá primeiro. Eles, entretanto, chegaram lá por meio do cálice dos Seus sofrimentos e os outros chegarão a essa comunhão com esse cálice, “São estes os que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro” [Ap 7:14].

Não estou preocupado com os tempos relativos a esse assunto, mas sim com os fatos e leis espirituais. Por todo o caminho entre Gênesis e Apocalipse, há uma lei determinante que Ele deve ter um grupo pequeno, um remanescente, um corpo de vencedores, chegando a uma plena comunhão com Ele pelo altar, pela Cruz, em favor dos demais. Muitas vezes demonstramos que o remanescente em Israel é apontado apenas como duas tribos, e ainda assim, eram chamados de “todo Israel”. Foi o remanescente que colocou o altar no seu lugar e construiu a Casa, e ainda assim foram chamados “todo Israel”. Vemos que isso é relativo.

Esse grupo pequeno, que pode ir até o fim no caminho daquilo que o Senhor buscar, esse pequeno rebanho que chega a uma mais íntima comunhão com Ele em Seus sofrimentos, em Sua paixão, Seu propósito. Apenas poucos podem chegar ali. Ele tomou com Ele Pedro, Tiago e João, e Ele mesmo foi um pouco além; e ali vemos as regiões; e isso fala de quão longe você deseja ir, de acordo com o preço que vai pagar - a comunhão dos Seus sofrimentos. Mas é muito comum na era de Laodicéia, que exista algo que gera dor no coração de Deus em relação a espiritualidade da maioria. Eles não são nem frios nem quentes. Eles são aqueles para quem Ele fala, bem dentro das condições de Laodicéia: “Ao vencedor, dar-lhe-ei sentar-se comigo no meu trono, assim como também eu venci e me sentei com meu Pai no seu trono” [Ap 3:21]. Aqui vemos o Trono - “se com Ele sofrermos, com Ele reinaremos”. Esse é o chamado do Senhor nesses dias, e acredito que isso seja o que o Senhor está trazendo à luz nesses dias a cada um que participa desses encontros.

Você vai mais longe? Vai até o fim? O fim do caminho é o Trono; e chegar lá implica que você irá pelo caminho da Cruz, pelo caminho do cálice. O cálice foi encontrado no saco de cereal de Benjamim, o pequeno, um grupo pequeno. Por Benjamim os outros foram trazidos à comunhão com o Senhor exaltado - completa comunhão. Não existem mais mesas separadas e os Egípcios foram colocados para fora, ali temos perfeita comunhão no Espírito.

Que o Senhor nos leve a ser esse grupo.


Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.