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Ó, Profundidade

por T. Austin-Sparks

Transcrito de uma ministração de Dezembro de 1958. A forma falada foi preservada. Origem: "Oh, the Depth...". (Traduzido por Maria P. Ewald)

"E outra parte caiu em lugares pedregosos, onde não havia muita terra: e logo nasceu, porque não tinha terra profunda; mas, saindo o sol, queimou-se e, por não ter raiz, secou-se" (Mt 13:5).

"Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!" (Rm 11:33).

Podemos perceber imediatamente o contraste entre as três afirmações do capítulo 13 de Mateus:"não havia muita terra", "porque não tinha terra profunda", "não ter raiz"; e o texto de Romanos 11: "Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!"

Esse não parece um assunto apropriado para se abordar nesse período do ano, mas a nossa necessidade espiritual é constante, independente da estação do ano, e tenho uma breve e simples mensagem no meu coração sobre o assunto da profundidade. "Ó profundidade...".

Na segunda parte dessa parábola tão familiar do nosso Senhor chamada de Parábola do Semeador, quando o Senhor aborda a semeadura e seu resultado, Ele aponta para algo desastroso, se pensarmos nas enormes potencialidades contidas na Palavra de Deus. Chegamos ao final da parábola e descobrimos o que havia no local onde a Palavra que fora semeada. Perceba que não foram semeadas Palavras diferentes entre os espinhos, sobre o solo rochoso e na boa terra. Em cada caso e instância, as potencialidades eram as mesmas; não havia diferença na Palavra semeada.

Coisas maravilhosas e poderosas são possíveis quando a Palavra de Deus é semeada no coração. E ainda assim, apesar dessas grandes potencialidades e possibilidades, temos o aspecto de sua recepção. A palavra é semeada em cada solo, mas é recebida de formas diferentes - e todas as suas possibilidades podem ser perdidas.

Vemos a tragédia da superficialidade... que tragédia! O Senhor mostra algo que é tão contrário à Sua própria natureza e ao Seu propósito; tão contrário a Deus. Oh, a profundidade de Deus! Como Deus é profundo! Como Ele vai fundo.

Podemos recordar da profundidade que o Senhor Jesus desceu! Quão fundo Deus foi. A largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Deus, que excede o nosso entendimento! Quão profundo é o Seu amor! Como Deus é profundo! "Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e inescrutáveis os seus caminhos!" Deus é assim! Essa é a Sua natureza. E contra isso temos esta trágica superficialidade... tão contrária a Ele... impedindo a concretização daquilo que foi recebido.

A superficialidade é sempre inconsistente; nunca, nunca subsiste ao teste, não é aprovada, nem duradoura. Ela entra em cena por um tempo, e logo se vai. É sempre inútil; perdendo aquilo que Deus planejou.

Se Deus é assim - e se vemos que o Senhor Jesus indica nessa parábola como isso é condenável, lamentando tal estado - o que devemos esperar de Deus? Se Ele realmente tiver uma chance e um caminho livre para a realização do Seu propósito, Ele não fará nada menos do que isso, nos levar muito fundo, Ele nos conduzirá às profundezas. De fato é isso que temos experimentado. Tenho certeza de que muitos aqui sabem que isso é verdade. Essas palavras não só reais na experiência, mas explicam muita coisa. O salmista exclamou: "O teu caminho é profundo..." e verdadeiramente é. O caminho de Deus é sempre nas profundezas!

Deus está sempre buscando nos conduzir às profundezas para reproduzir em nós aquilo que é verdadeiro nEle. Dissemos há pouco que a superficialidade reflete aquilo que não é substancial. O salmista sempre afirmava que o Senhor era sua rocha. O quanto o salmista devia à essa descoberta, que o Senhor era sua Rocha - algo que não poderia ser movido, inabalável, onde poderia se apoiar, confiável e estável: "Tu és a minha Rocha!" Esse é o Senhor.

Queridos amigos, o Senhor quer reproduzir Seu caráter em nós, para nos tornar sólidos, confiáveis, substanciais, estáveis, aqueles que sempre podem ser encontrados firmes – não se movem! Para fazer isso, Ele precisa nos conduzir às profundezas. Ele é assim, Ele é muito profundo.

Permanência... Ele é o Deus eterno; Ele permanece para sempre. Vemos isso nas palavras de João: "Aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre" [1Jo 2:17]. Permanece para sempre! Como nos afastamos com facilidade, não é mesmo? Não permanecemos. O Senhor Jesus sempre salientava isto: "Permanecei em Mim", permaneça, mantenha-se sossegado! Mas não conseguiremos isso se vivermos na superfície. Nada do que vive na superfície permanece, porque é levado mui facilmente por tudo o que surge. Somente aqueles que habitam nas profundezas permanecem e, usando as palavras usadas pelo profeta duas vezes: "buscai as profundezas para habitar" [Jr 49:8; 30 ARC]. Só assim poderemos resistir e permanecer.

As coisas mais valiosas não são encontradas na superfície. Os verdadeiros tesouros estão nas profundezas. Precisamos mergulhar fundo para encontrar as pérolas e as joias – precisamos cavar fundo. As coisas que realmente tem valor não são superficiais e não as encontramos espalhadas por aí. Precisaremos cavar profundamente para encontrá-las.

Quando o Senhor estava descrevendo a Terra para o seu povo, a terra da promessa, sua herança, Ele lhes disse que ali haviam tesouros, mas que eles teriam que cavar para obtê-los: "De cujos montes cavarás o cobre" [Dt 8:9]. Nada do que é realmente valioso aparece facilmente, em nenhuma das esferas da vida. Sempre precisaremos ir fundo. O Senhor está sempre buscando nos aprofundar cada vez mais; Ele busca profundidade. E devido a importância que o Senhor dá a esse fator, a profundidade sempre será uma coisa preciosa. É sempre envolverá um alto preço.

Nós sabemos muito bem que nunca faremos descobertas profundas do Senhor sem passar por profundas provações, provas e sofrimentos. Estes tesouros são os "tesouros das trevas"; que sempre estarão em algum lugar na escuridão, sempre encontraremos bens preciosos nas profundezas para onde o Senhor nos dirigir.

Esta essência de Deus em Seu povo, tudo o que significa real profundidade, inclusive a capacidade de permanecer e a plena fecundidade, são obtidas apenas por meio de profundas provações e sofrimentos. Isso explica os caminhos do Senhor conosco. Ficamos imaginando qual a razão do Senhor lavrar tão profundamente, não nos permitindo permanecer em nossa superficialidade [Sl 129:3].

Com Paulo, que é um grande exemplo de tantas verdades Divinas, aprendemos sobre esse caminho, trabalhar e esses métodos Divinos. Vemos esse homem clamando a partir dos profundos caminhos com Deus: "Ó profundidade das riquezas... Ó profundidade das riquezas! Quão insondáveis! Inescrutáveis!" Às vezes pensamos que chegamos ao fundo, mas não conseguiremos tocar no fundo neste assunto; sempre haverão novas descobertas diante de nós, sempre haverá a possibilidade de mais aprofundamento.

Entretanto, vemos que o caminho do homem e o caminho do mundo são sempre superficiais, não é mesmo? O foco é conseguir as coisas o mais barato possível, da forma mais fácil, rápida, e de menor custo - essa é a maneira da nossa natureza. Desejamos as coisas assim, e nós não gostamos quando as coisas acontecem de outra maneira. Mas isso é uma marca, uma evidência da carência de algo do caráter Divino. Isso só evidencia como a natureza humana e o mundo estão desprovidos do caráter de Deus. Todas as formas de enriquecimento adotadas por Deus demandam que seja travado um combate contra os nossos desejos, inclinações e propensões naturais de se obter tudo facilmente. Esse é o nosso caminho; é o caminho do homem.

Queridos amigos, este assunto, esta questão de profundidade e do aprofundamento em Deus e por Deus, constitui uma característica dessa severa batalha na qual o povo do Senhor sempre se encontra.

Como ilustração, lembre-se do Senhor Jesus e de como Ele atravessou essa linha entre os seus trinta anos de vida oculta e Sua vocação pública, para cumprir Sua missão. O inimigo, discerniu isso claramente com a intuição comum aos espíritos, reconheceu muito bem o motivo pelo qual Ele havia cruzado aquela linha naquele dia: para tornar-se o Senhor da Criação, o príncipe deste mundo, o Governante de todos os reinos. Ele reconheceu isso e ofereceu a Ele o prêmio adotando linhas superficiais; fazendo concessões: "Tome este caminho mais fácil e terá tudo isso. Você está tomando o caminho mais difícil, profundo e custoso; você pode ter tudo isso sem estas coisas!” [Mt 4:9] Superficialidade, não é? Um caminho superficial para um reino. Mas que Reino este teria sido! Ele certamente não teria durado, permanecido; pois não teria o caráter substancial da eternidade. É isso que o inimigo buscava: roubar aquela profunda realidade que representa Deus.

O Senhor Jesus viu essa armadilha e aceitou o caminho profundo - e oh, quão profundo era ele... aquele caminho da cruz, que O conduziu às profundezas, as verdadeiras profundezas. Mas que Reino Ele obteve! Um reino eterno, reino duradouro! Esse reino vai perdurar por todas as gerações, para todo o sempre. O caminho profundo é o caminho real. O inimigo está sempre tentando roubar a profundidade, este é o ponto - ele tenta facilitar as coisas. Ele está sempre tentando tornar tudo superficial. Oferece tudo muito feliz, agradável e bom, mas superficial. Tudo parece tão agradável e desejável; mas qual foi o seu preço? Será que podemos estar renunciando algo da profundidade? Essa é a esfera de real valor e conflito: a da profundidade!

Apesar de isso trazer consigo uma nota de melancolia, é por esta razão que o Senhor precisa envolver tudo que provém dEle, de Sua Divindade, aquilo que é sagrado a uma esfera de grande sofrimento, para preservar e aumentar sua profundidade. Não se enganem a esse respeito! A pergunta que sempre vem à luz é: qual foi o preço que isso te custou? Isso determina se algo é real em você.

Estava pensando sobre aquele incidente na vida de Eliseu. Sabemos e ouvimos muitas coisas sobre ele. Uma coisa que me impressionou quando estava pensando sobre isso foi quando o Senhor o enviou até aquela mulher. Você se lembra que aquela criança foi dada a ela por um ato Divino [2Rs 4]. O profeta partiu e chegou no dia em que a criança havia morrido. A mulher pediu ao marido que selasse a mula para ela ir buscar o profeta, e lá se foi ela.

Ela o encontrou, lhe disse o seu problema, e ele enviou Geazi com a sua vara até o menino. Geazi... seu servo, com a vara. Não deixar de imaginar Geazi... um homem pelo qual tenho o maior desprezo a partir de tudo o que sei dele nas Escrituras: tomando aquela vara e, de alguma forma profissional, vaidosa, encarando a situação, entrando naquela câmara da morte e colocando a vara sobre a criança; e nada aconteceu. Tentando novamente, talvez sob outro ângulo, e ainda assim nada aconteceu. Nada. Mas a mulher viu através de Geazi, e disse: "Não vou com Geazi, não vou sem você! Você precisa vir". Ela tinha vindo a Eliseu. Ele a acompanhou e sabemos como ele entrou no quarto e se estendeu sobre a criança: pôs suas mãos sobre as mãos do menino, olhos sobre seus olhos e lábios sobre seus lábios. Ele se estendeu.

Você conhece toda a história, mas o que me impressiona é o seguinte: o Senhor estava operando soberanamente nesta situação. O princípio operante, indubitavelmente, era que aquela criança representava o próprio fruto, o sentido e o valor da vida daquela mulher. Se permitirmos tomar seu exemplo para representar a igreja, naquela criança temos o próprio sentido de sua vida, seu fruto e testemunho, a única coisa para a qual ela vivia - algo que era uma questão de vida ou morte para ela. E o Senhor tocou nisto, tocou a fim de trazer para fora esta grande, esta maravilhosa, esta profunda verdade: que tudo na igreja tem que se tornar uma questão de vida ou morte. Sem a encenação de Geazi! Sem conduta meramente formal, profissional, com uma vara; sem meras palavras e performances. Só o homem trazido para dentro da situação no coração, de modo que este assunto se torna numa questão do seu ministério, de sua vida, do seu testemunho... levado-o à agonia e a angústia por isto; não ficando de lado como Geazi e agindo objetivamente. Não, essa situação envolveu sua própria vida, seu ministério, o seutestemunho, e a sua unção. Se Deus não fizesse alguma coisa, então seria melhor que Eliseu desistisse de tudo! Ele foi trazido para dentro da agonia e da angústia da situação.

Deus tocou em algo que não envolvia apenas seu ministério profissional, mas tratava da justificação da sua vida; Eliseu foi trazido a esta situação. Deus estava o aprofundando. Queridos amigos, não se engane, é isso o que Deus faz!

Na igreja que é de acordo com Deus, Deus tocará em algo na nossa vida individual. Ele pode tocar em um marido, em uma mulher, em uma criança - um filho amado - a fim de nos tirar da mera formalidade, da forma desapegada como nos associarmos com Suas coisas, e tornará tudo numa agonia! Se a igreja não se mover em nosso favor, a coisa mais preciosa da nossa vida estará ameaçada.

Deus tem formas maravilhosas de tornar as coisas reais; de destruir a superficialidade. Entende o que eu digo? Sinto que essa é uma palavra muito solene do Senhor, mas todos nós precisamos reconhecer isso. O Senhor não vai aceitar a superficialidade; Ele vai tocar a profundidade, até que seja uma questão de angústia.

Tudo está equilibrado, seja qual for a questão, seja ela uma situação de negócio, da família, pessoal ou da igreja - tudo está em equilíbrio agora: como isso acontece? O Senhor simplesmente nos atrai. Tenho um sentimento de que o Senhor vai fazer coisas assim, para nos salvar de uma vida pro-forma, quando consideramos tudo garantido, nos conduzindo à uma realidade mais solene e mortal para todos nós. Isso será por caminhos profundos, mas, oh, valerá a pena depois.

Esse rapaz se tornou na personificação do poder da Sua ressurreição. E é uma coisa de grande valor ter esse testemunho entesourado e incorporado, algo indestrutível e permanente, substancial: o poder da Sua ressurreição! Quem pode desfazer isso? Isso é eterno! Mas isso acontece assim: "O teu caminho, ó Deus, estava nas profundezas..." [Sl 77:19]; "Oh, as profundidades das riquezas..." é o ponto: aí estão as riquezas. Ouça essa palavra; isso poderá explicar as coisas que podem em breve nos acometer, e esta poderá ser uma palavra de salvação.


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