por
T. Austin-Sparks
Editado e fornecido pela Golden Candlestick Trust. Origem: ”The “Parable of the Talents” (Traduzido por Maria P. Ewald)
Leitura: Mt 25:14-46
Tentarei expor de forma simples e clara alguns pontos principais encontrados nesta porção do ensino de nosso Senhor.
O que são os talentos
A primeira questão que vamos abordar é o que seriam os talentos. Acredito que não precisamos discutir qual é exatamente a natureza deles. O importante é reconhecer o seu significado, ou seja, o que eles representam. Evidentemente os talentos são valores dados a nós pelo Senhor com o objetivo de proporcionar um aumento para Ele - e isso pode abranger uma grande variedade de coisas. Podemos dizer que tudo o que o Senhor nos concede com a possibilidade de crescimento para Ele pode ser considerado um talento. Desse modo, nossa atitude diante da vida deveria ser de vigilância para saber como, onde e o que deve ser multiplicado para o agrado do Senhor. Essa deve ser uma atitude, uma mentalidade, um estado do coração. Esses talentos tem sido considerados como um grupo muito pequeno de qualificações ou dons. O que me parece é que o Senhor está, antes, se referindo a todo tipo de coisa que pode ser feita para servi-Lo na expansão dos Seus interesses por intermédio de nossa diligência.
A Soberania de Deus na Concessão dos Talentos
Então a segunda coisa (e não vou me alongar para chegar a uma conclusão a respeito desses pontos, só quero trazer essas lições muito práticas e importantes do Senhor aos nossos corações) é que os talentos que recebemos não são responsabilidade nossa. Isso tudo é uma questão da soberania Divina. Ele deu, e deu um tanto a este, outro tanto àquele e uma porção diferente àquele outro. Os destinatários não eram responsáveis pelo que recebiam, nem mesmo pelo que possuíam. Isso dependia inteiramente do julgamento do Doador, e reconhecer isso possibilitava evitar que caíssem em posições falsas ou que arriscassem ir além da própria capacidade, tentando fazer o trabalho ou ascender à posição do outro. Não, o Senhor deu cada talento pelo Seu próprio julgamento, e os talentos que possuímos não são de forma alguma nossa responsabilidade. Eles são o resultado de Sua soberana graça, julgamento e sabedoria.
É extraordinário quando conseguimos avaliar e reconhecer a nossa medida. Isso traz descanso aos nossos corações, nos mantém em uma posição de segurança e resulta em mansidão no que diz respeito a isso: 'Essa é a minha medida, a minha capacidade e é isso que o Senhor me concedeu. Dentro dessa esfera me movimentarei, não me esforçarei para ser outra pessoa, para fazer o trabalho do outro, mas reconhecerei exatamente o que recebi do Senhor e o que isso representa.' Se você pensar bem, isso é muito mais útil na nossa vida do que pode parecer. Lembremo-nos, então, que a soberania de Deus assume a responsabilidade pelo nosso chamado e serviço. Essa é uma designação de Deus e Ele sabe o que está fazendo conosco.
O Prazer do Senhor, a Consideração Governante
A terceira coisa é que, acima de tudo, a satisfação e o prazer do Senhor deve ser a consideração que governa tudo que fazemos. Você perceberá que isso permeia toda esta seção da Palavra – a satisfação e o prazer do Senhor. As palavras usadas pelo Senhor para elogiar os dois servos, o homem de cinco talentos e o homem de dois talentos, foi que eles trabalharam diante de Sua face e que a recompensa deles era entrar “no gozo do teu Senhor” [vs 21; 23]. E na segunda parte do capítulo que veremos a seguir [vs 31-46], e que acredito que está intimamente relacionada com a primeira parte, vemos a repetição constante da expressão: “a Mim”. "A Mim o fizestes"[vs 40]. "A Mim o deixastes de fazer" [vs 45]. Tudo é para o Senhor, e Ele está sempre em vista, diante do servo: tudo é para a satisfação e o prazer do Senhor.
É isso que rege a vida do filho de Deus, do servo do Senhor. Tudo deve ser visto dessa maneira. Não é apenas uma questão de dever, obrigação, mandamento, mas do prazer e da satisfação do Senhor. Novamente, se trata de um estado do coração. Os dois servos tinham um estado de coração correto em relação ao seu Senhor. O terceiro servo tinha uma atitude de coração errada - sei “que és homem severo" [vs 24]. A atitude interior do coração em relação ao Senhor foi o que fez a diferença no resultado.
Então aqui o Senhor está dizendo, em outras palavras, que o que governa a vida de um verdadeiro servo do Senhor é que ele deve viver com o foco de trazer prazer e a satisfação ao Senhor, não deve viver buscando sua própria satisfação. Não devemos agir por constrangimento, mas devemos ser dirigidos por uma devoção de coração ao Senhor.
A regra do aumento
A seguir, o Senhor estabelece a regra para o aumento – ampliação das oportunidades e facilidades. A doação Divina é baseada na nossa fidelidade e devoção a Ele com os recursos que dispomos agora. Não há dúvida de que muita coisa se perde porque deixamos de aproveitar a oportunidade do presente, ansiando o tempo todo por uma oportunidade maior, pensando sempre no dia em que seremos capazes de servir ao Senhor mais plenamente, quando poderemos entrar no ritmo e desfrutaremos de facilidade, ocupando uma posição adequada para servi-Lo. Estamos sempre projetando isso para o futuro e nos apegando mentalmente à esperança de chegar um tempo quando encontraremos condições em que será possível fazermos algo grandioso e real para o Senhor, e essa vontade se torna a esperança intangível de um amanhã que nunca chega e que consome todos os ganhos e valores do hoje. Talvez seja uma das coisas mais terríveis de se contemplar; aquele momento que percebemos que poderíamos ter dado ao Senhor muito mais se estivéssemos verdadeiramente empenhados, em vez de ter ficado aguardando sempre aquele momento apropriado quando poderíamos dar-Lhe mais.
O Senhor enuncia esta regra de aumento que é: 'o caminho do aumento no Meu serviço é o caminho de total fidelidade e devoção à medida que você tem hoje' [vs 21,23]. Você pode ser uma pessoa com apenas um talento; mas existe a perspectiva, a possibilidade de você se tornar uma pessoa com dois talentos, uma pessoa de cinco talentos, mas o caminho é fazer o bem, mesmo que seja numa pequena medida. Leve isso em consideração e se assegure de que o Senhor receba todo ganho possível nesse pouco que você tem. A fidelidade hoje pode ser uma oportunidade e provisão ampliada amanhã, mas podemos assumir que a menos que haja essa fidelidade no hoje, o amanhã nunca chegará.
Agora serei muito prático sobre isso. Estamos realmente fazendo o bem dentro dos limites estreitos da nossa vida atual? Quais seriam as oportunidades que tenho no momento? Façamos um balanço das nossas oportunidades de hoje, das nossas possibilidades. Quais seriam elas? Algum de nós pode realmente dizer que não tem oportunidades na vida, que não há nada que possa ser usado para prestar contas ao Senhor hoje na sua posição atual? Não creio que alguém possa afirmar isso. Você pode ter uma esfera estreita e ter poucas oportunidades, mas você tem algumas. Talvez você esteja o tempo todo procurando uma oportunidade maior, mais completa e melhor. Isso nunca acontecerá, a menos que hoje faça o bem com o pouco que você tem.
Portanto, o Senhor nos diz aqui que o caminho do aumento, da ampliação, da dádiva e da confiança mais plena é o caminho da fidelidade e da devoção à oportunidade, a possibilidade e à medida que você tem hoje. A palavra para os dois foi “bom e fiel” [vs 21, 23].
Bom - você fez o bem ao ser fiel à sua medida de oportunidade! Compare isso com o que Ele disse ao outro homem – “Servo mau e negligente” [vs 26]. Aí está o cerne da questão. O que é maldade? É deixar de aproveitar a oportunidade que o Senhor lhe deu, e isso resulta de uma indolência interior. Lembre-se das palavras de Paulo: “No zelo, não sejais remissos; sede fervorosos de espírito, servindo ao Senhor” (Rm 12:11), ou, como Moffatt traduz, “Preservem o brilho espiritual”. Essa é a chave, o brilho espiritual. O que seria esse brilho? Ora, é o oposto da indolência, seria aproveitar todas as oportunidades para o Senhor. Esse é o caminho do alargamento.
Nossa recompensa é a alegria do Senhor
Então você olha novamente e vê que a bênção e recompensa é a alegria do Senhor. Esse é o resultado do Senhor receber Sua porção, e como é importante entendermos isso - não há recompensa maior, nenhuma bênção mais completa do que ter um eco nos nossos próprios corações da satisfação do Senhor conosco. Todos nós gostamos de saber que as pessoas estão satisfeitas conosco e muitas vezes um pequeno elogio já nos deixa “extremamente satisfeitos”. Ficaremos muito felizes se as pessoas puderem perceber e comentar que viram algo bom em nós. Bem, suponho que isso seja da natureza humana e que poucas vidas podem continuar seguindo em frente sem uma palavra sequer de elogio de vez em quando. Acho que o Senhor indicou que deseja que encorajemos uns aos outros dessa maneira, elogiando uns aos outros, mas se isso é verdade no âmbito da vida humana, quão maior será ter o testemunho nos nossos corações pelo Santo Espírito de que o Senhor está satisfeito conosco. Isso poderia ser como o paraíso para nós, e acredito que essa seja a chave deste capítulo.
Você percebe que toda a questão aqui se resume em céu e inferno. Há coisas terríveis aqui neste contexto sobre o inferno. “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos” [vs 41]. Existe o inferno; o céu, por outro lado... embora não descarte nada definido como o céu e o inferno, penso que a própria natureza do céu ou do inferno se resume nisso: o prazer ou o desagrado do Senhor registrado positivamente na nossa alma. Isso pode se tornar no nosso céu ou no nosso inferno, e saber que o Senhor diz: "Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel" [vs 21, 23] - ouvir o Senhor dizer isso pode trazer o céu para dentro dos nossos corações, mas essa é na verdade a Sua própria satisfação, prazer e deleite encontrando um eco em nossos corações. Nossa recompensa e bênção será essa: não há nada mais gratificante do que isso.
"Para mim"
Então, a última coisa. O que significa que o Senhor recebe a Sua porção, encontra o Seu prazer e satisfação - pois tudo está atrelado e depende disso? O que isso significa? Se a nossa atitude em relação à vida for a de que o Senhor esteja satisfeito e receba a Sua porção, se essa for a consideração que governa tudo, se os talentos apenas extraírem o seu significado das possibilidades que possuem para trazer satisfação ao Senhor, se a regra de incremento for a nossa atitude em relação ao prazer do Senhor para usar a oportunidade de hoje e a medida de possibilidades do agora, então o que significa isso - que o Senhor recebe Sua porção, Sua satisfação, Seu prazer?
Isto é extremamente prático e é aqui que penso que a segunda parte do capítulo se relaciona com a primeira. ‘Na medida em que você fez isso (ou não fez isso) a um destes pequeninos, você fez isso (você não fez isso) para mim’ [conf vs 40; 45]. Digo que isso é prático e nos mantém com os pés no chão. Isso nos salvará de uma falsa posição espiritual que está sempre tentando de alguma forma agradar, servir e fazer as coisas para o Senhor, mas negligencia cento e uma questões práticas do dia a dia relacionada aos interesses dEle relacionadas a nós. Isso aproxima as coisas da realidade. Ele diz que aquele que é necessitado, seja qual for a necessidade, é o próprio Jesus Cristo, no sentido prático para nós. É uma coisa terrível de se contemplar, mas olhar para este preso, aflito, necessitado, não fechar os olhos e ainda dizer: 'Aí está o Senhor Jesus necessitado!' - isso é prático, não é? Não se trata apenas imaginação, é o que o Senhor diz aqui. Ele está dizendo, na verdade: ‘Você não pode ter uma atitude em relação a um deles sem tomar essa atitude em relação a Mim; qualquer que seja a sua atitude, essa é a sua atitude em relação a Mim, porque eles representam uma oportunidade, a necessidade deles chama o que você tem de Mim para atender a essa demanda. Ao dar o que você tem de Mim, haverá um aumento Meu ali, e é isso que Meu coração está determinado a fazer - ganhar terreno, território, ampliar o espaço!’
Oh, sinto, amado, que uma de nossas necessidades é sermos salvos de posições espirituais falsas. E uma delas é esse tipo de vida e obra espiritual, essa posição e mentalidade espiritual tão abstrata que simplesmente perde mil e uma situações práticas ao seu redor. Então, tudo se volta para o que estávamos dizendo no início. Como o Senhor recebe Sua porção: Qual é a minha oportunidade neste momento, qual é a necessidade ao meu redor? É claro que não me refiro ao plano meramente social, não é nisso que estou pensando. Falo de Cristo ganhando terreno, de serviço ao Senhor, cuidar dos interesses do Senhor. Qual é a minha oportunidade agora nesse sentido? Qual a necessidade ao meu redor? Como posso enfrentar essa situação com Cristo? Essa é a verdadeira vida e serviço cristão. Digo que é muito prático, mas nos sonda e nos desafia. Isso trará as coisas à luz e nos salvará de uma posição falsa. Aqui está uma necessidade de Cristo – esse é o ponto. Se ao menos o Senhor pudesse entrar ali, haveria algo para Seu prazer, satisfação, glória, e essa atitude em relação aos nossos contatos, associações, oportunidades todos os dias é o que o Senhor quer dizer com fazer ou não fazer isso para Ele.
O Senhor é personificado em cada oportunidade que nos é dada para trazê-Lo à luz. Você entende isso? Lá está Ele, de fato. Basta seguir essas coisas em silêncio e pensar sobre elas, pois aqui está a palavra do Senhor para governar nossas vidas. A oportunidade pode ser pequena – isso é problema dEle. Se ela será expandida, compete a mim, o aumento depende de minha devoção e fidelidade. Mas o que deve governar em meus pensamentos e permanecer diante dos meus olhos não é a ampliação de minha oportunidade e influência, mas o prazer do Senhor, Sua Satisfação - um estado de coração devotado a Ele.