por T. Austin-Sparks
A última fase de sua peregrinação tem chegado. O fim da jornada está à vista. A carreira foi praticamente completada; e que carreira foi! O servo fiel, o guerreiro marcado pela guerra, o maior dos missionários cristãos, dos edificadores de igrejas, e dispenseiros das riquezas celestiais, irá em breve receber “a coroa da vida”, preparada para ele. Suas “frequentes viagens” estão prestes a dar lugar ao “descanço que o aguarda”. Seu “trabalho cada vez mais abundantemente” está praticamente terminado. Ele expressa uma esperança de que possa ainda visitar alguns de seus mais amados convertidos (Fil. 2:24). (Alguns acreditam que esta esperança foi realizada, e que, por um curto período de libertação, ele ainda viajou a lugares mais distantes. Mas não temos qualquer registro a respeito disto no Novo Testamento). Paulo encontra-se, agora, na prisão em Roma, e Lucas conclui o seu registro com este período lá “em sua casa alugada”. Este homem, que viu a soberania de Deus em cada vicissitude de sua vida, não fracassou em continuar vendo esta soberania em sua chegada a Roma, bem como em sua estada lá, tão diferente daquilo que ele esperava (Rom 1:15).
Ao fazer uma avaliação de sua situação, Paulo não mais estava chegando à conclusão de que, na soberania Divina, fosse possível a realização de outro forte desejo que estava em seu coração, o qual não pôde ser cumprido por ocasião de suas muitas viagens. Paulo escreveu cartas, longas e curtas, cada uma delas escritas em relação à alguma necessidade e situação particular. Nenhuma delas se desviou — com exceção de uma ligeira referência — desta demanda específica. Durante suas longas viagens, Paulo exercia a sua atividade profissional, a fim de ganhar o seu próprio sustento, tornando impossível, assim, que os críticos pudessem acusá-lo de viver às custas dos seus convertidos; e, por meio de extraordinárias e especiais experiências, tais como o ser “arrebatado até o terceiro céu (numa visão ou sonho) e ouvir coisas indiscritíveis” (2 Cor. 12:1–4); não omitindo aqueles dois anos no deserto da Arábia; vários anos sozinho em Tarsus logo após a sua conversão; e um longo período de aprisionamento em Cesaréia; tudo isto deu a ele muito tempo para meditar, permitindo que o Senhor falasse a ele. Desta maneira, um imenso acúmulo de conhecimento espiritual ficou acumulado em seu coração. Estando muito certo, como geralmente ele dizia, que esta “revelação” era uma “dispensação” para o “Corpo de Cristo”, sem dúvida alguma ele ficou esperando por um tempo quando pudesse ter oportunidade e desprendimento suficiente para despejar o seu espírito na escrita. Sabemos agora que tal tempo e oportunidade simplesmente não poderiam ter sido negados a ele, pois o fruto disto tem sido uma benção indizível para a Igreja ao longo desses séculos.
Bem, como dissemos, estranha como possa ter parecido a providência, quando ele olhou primeiro ao redor de sua casa, e também para os guardas romanos e para as suas cadeias, percebendo logo que aquela poderia ser a grande oportunidade pela qual estava esperando. Muito provavelmente, parece que, com toda aquela percepção que chegara a ele, talvez durante as longas noites após os visitantes terem ido embora, foi Paulo inundado por todas aquelas revelações. Concluímos isso a partir do modo, maneira e também do teor daquilo que ele se propôs a escrever. A princípio Paulo teve em mente as igrejas da Ásia (embora o Senhor tivesse propósitos muito maiores) e aquilo que ele escreveu foi destinado a circular entre elas; provavelmente um espaço em branco fora deixado para que fosse preenchido com o nome particular, tal como “aos santos estão em …” (o nome “Efésios” não aparece nos primeiros manuscritos). Contudo, há pouca dúvida de que este transbordar de coração tivesse uma direção específica para essa tão grande e espiritualmente influente igreja em Éfeso. Isto pode ter importância secundária, diante de tão grande propósito Divino ao ter dado a inspiração.
É a maneira de Paulo que significa tanto, como uma primeira impressão. Nosso subtítulo é um exemplo desta maneira. A Carta aos Efésios, assim chamada, é escrita em termos superlativos. Olhe para alguns desses superlativos: “A sobreexcelente grandeza de Seu poder” (1:19); “a plenitude daquele que enche todas as coisas” (1:23); “as abundantes riquezas de Sua graça” (2:7); “as insondáveis riquezas de Cristo” (3:8); “a largura, o comprimento e a profundimento”, “o amor de Cristo, que excede todo entendimento”, “toda a plenitude de Deus” (3:18,19); “abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos” (3:20); “acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas” (4:10); “a plenitude de Cristo” (4:13); “uma igreja gloriosa, sem mancha, nem macula ou coisa semelhante” (5:27).
Não estamos nós corretos ao dizer que Paulo foi incapaz de conter sua plenitude? Então, não apenas suas frases, mas também a sua forma gramatical. Ele irá começar numa determinada direção, e, então, quando um pensamento adicional lhe chega à mente, ele irá divergir e sair pela tangente, não voltando à linha anterior novamente até algum ponto mais adiante. A frase mais longa, sem um “ponto”, um ponto final, no Novo Testamento ocorre nesta Carta. Paulo está tão pleno e tão entusiasmado para que possa parar, a fim de atender algumas tecnicidades literárias. As comportas estão abertas, e, como uma torrente, o apóstolo se põe a derramar toda aquela plenitude há tanto tempo reprimida. Quando Paulo chega para considerar a natureza da revelação dada a ele, então podemos compreender melhor por que ele foi tão expressive em superlativos. No momento nós estamos apenas registrando a força da inquietude do apóstolo em passar, finalmente a revelação.
Fiquemos um pouco mais nesta carta.
Algumas pessoas podem não concordar conosco, e algumas podem pensar que estamos exagerando quando dizemos que esta carta é
Nós teremos que justificar esta opinião, mas não teremos falhado completamente quando tivermos terminado.
Quando falamos “maior”, naturalmente não nos referimos a comprimento, mas em valor e conteúdo intrínsico.
Esta é a coroa e essência do ministério de Paulo. É o climax do seu ministério.
Aqui estão alguns comentários de estudiosos cristãos notáveis:
“a consumada e mais abrangente declaração que o Novo Testamento contém do significado da religião crista, misturando como em nenhum outro lugar seus elementos espirituais, morais e universais”.
Ou de outro:
“A comunicação mais sublime jamais feita aos homens foi feita a partir de uma prisão romana, por alguém que, em sua própria estima, era ‘o menor de todos os santos’ ”
“Esta epístola é uma das mais nobres do Novo Testamento.”
“Uma epístola divina brilhando com a chama do amor cristão, e o esplendor da santa luz, e fluindo com fontes de água viva.”
“A obra mais celestial de alguém cuja própria imaginação está povoada com as coisas dos céus.”
“Nesta carta, a mais divina composição humana, está toda doutrina crista; primeiro, aquelas doutrinas peculiares ao cristianismo; etc.”
“É, enfaticamente, a epístola da Ascensão. Nela nós nos elevamos, como que nas asas da inspiração, a alturas divinas. Palavra após palavra — e pensamento após pensamento — agora “os lugares celestiais”, agora “espiritual”, agora “riquezas”, agora “mistério”, agora “plenitude”, agora “luz”, agora “amor”, parece, por assim dizer, para deixar atrás deles “um rastro luminoso” neste céu profundo e brilhante”.
“É o mais avançado, o mais sublime, o mais profundo, a declaração mais final do Evangelho de Paulo”.
Apressemo-nos a dizer que a nossa própria avaliação não é resultado de termos lido tais estimativas, como as acima, pois essas são de descobertas bem posteriores. Nós chegamos à nossa própria conclusão após muitos anos de leitura e meditação nesta Carta de Efésios, e no ministério de Paulo em geral. Mas estamos muito alegres por ter a nossa avaliação confirmada ou verificada por homens de maior conhecimento do que o nosso.
Até agora apenas introduzimos a Carta. Seu conteúdo, ensino e mensagem irá ocupar o espaço principal, embora permanecendo ainda muito além da nossa compreensão. Antes de mergulharmos nestas profundezas, e sem jamais alcançarmos muito longe além da superfície, precisaremos dar uma atenção para o homem em si, e para como o homem e o seu ministério são uma coisa só. Antes de prosseguirmos, lembremos aos nossos leitores de um ou dois fatos óbvios, embora impressionantes.
Quando o apóstolo Paulo se pôs a escrever esta Carta, ele não tinha a menor idéia de que estava escrevendo a Escritura Sagrada — a Biblia (em parte). Seu único pensamento e desejo era confirmar e complementar aquele “todo conselho de Deus” que ele “não tinha deixado” de anunciar para — e através de — Éfeso e Ásia Menor durante os dois anos que ele esteve lá (Atos 19). Era uma carta que — em sua própria mente — ele estava escrevendo, e isto para uma localidade e uma necessidade. Jamais poderia ter ocorrido a ele que aquilo que ele estava escrevendo seria lido por um número cada vez maior de pessoas através de aproximadamente vinte séculos; que ela iria entrar num mundo cujo tamanho ele nada conhecia; que as pessoas de todas as raças debaixo do céu a teriam traduzida em seus próprios idiomas e dialetos; que ela iria dividir a cristandade pelo mundo afora nas maiores escolas opostas de teologia e interpretação; que o povo de Deus em todo tempo e em toda esfera iria se alimentar avidamente dela; que livrarias em todos os países teriam suas prateleiras cada vez mais repletas de “exposições”, “comentários”, “sermões”, etc, sobre esta Carta; e que, finalmente, tais avaliações, como as que temos feito acima, estariam ligadas a este pedaço de correspondência pessoal! Ele não apenas jamais teria imaginado isto como possível, mas teria tido um choque de espanto se pudesse ter previsto isto. Que defesa de seu testemunha! Que justificação de seus sofrimentos! Que revelação da soberania e da graça de Deus! Que inspiração e força isto pode ser para todo aquele que possa estar sofrendo em comunhão com Cristo, e que prova da verdade de suas próprias palavras: “Seu trabalho no Senhor não é em vão!”
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.