por T. Austin-Sparks
Capítulo 3 - Grandes verdades e suas leis
Prosseguindo com a nossa meditação neste Evangelho, o assunto que logo segue nossa consideração é: GRANDES VERDADES E SUAS LEIS.
É muito importante que tenhamos em mente que cada verdade Divina tem as suas leis, e somente entraremos na experiência dessas verdades por meio do caminho de obediência à essas leis. Farei aqui uma pausa, dando devida consideração à tremenda importância desse fato.
Há três pontos que precisam ser destacados como parte dessa afirmação geral. O primeiro é que Deus sustenta essas leis, e Ele Se assegura de que elas estejam implícitas em cada movimento direcionado à uma nova verdade; apesar dessas leis não serem sempre entendidas de pronto. Em outras palavras, nunca entraremos de fato em nenhuma verdade, de maneira viva, se não tomarmos o caminho dessas leis que governam aquela verdade, ou que são base para aquela verdade. Deus Se assegura disso. As experiências pelas quais passamos quando nos aproximamos de qualquer verdade são os caminhos de Deus para estabelecer Suas leis em relação a ela. Nem sempre compreendemos o que Deus está fazendo, por que Ele está nos conduzindo daquela maneira, a razão dos Seus tratos conosco, pois Seus tratos não visam apenas nos introduzir naquela verdade, mas nos conduzir à verdade de acordo com as leis que as governam. Nem sempre entendemos isso quando essas leis estão sendo efetivadas, mas Deus nunca as deixa de lado, nem as ignora ou nos permite que viver a verdade separada delas.
O segundo ponto é que a verdade, tomada sem a operação da lei (coisa que é totalmente possível), conduz a um estado de desequilíbrio, uma posição falsa, e essa verdade passa a operar contra as pessoas envolvidas, não a seu favor. A questão em jogo será se a verdade conduzirá os envolvidos a um quebrantamento daqueles envolvidos com direção à um conserto e alinhamento espiritual com a verdade, ou eles se a abandonarão. (Quero ter certeza de que você está entendendo o que estou dizendo, então, por favor, me permita reiterar). Em outras palavras, o que digo é que é possível assumirmos uma verdade, ainda que em desacordo com as leis Divinas que a governam. Apreender, aceitar ou manter a verdade fora da correspondência com suas leis essenciais nos coloca numa falsa posição. Entramos por outro caminho, não pela porta. Pensamos que entramos, porque temos a verdade, mas nossa entrada foi em base totalmente falsa. Não alcançamos a verdade pela porta, que é a vida; a alcançamos por outras formas, por outro caminho, sem a vida. Estamos numa posição falsa, desbalanceados: a verdade, portanto, operará para nossa ruína. Ela não nos dará suporte, ao contrário, ela nos derrubará, e teremos duas alternativas: seremos ajustados à verdade pela nossa queda, por termos nos deparado com ela, ou a abandonaremos como algo que para nós não funciona. Desistiremos dela, declarando que essa verdade “não se sustenta”.
O terceiro ponto é que uma experiência verdadeira e pura da verdade pode ser obtida sem se ter, naquele momento, um entendimento completo de suas leis; isso devido a pureza de espírito e honestidade do coração. Muitos estão vivendo no gozo da verdade que não compreendem; vivendo na experiência da verdade que não são capazes de definir. Apesar de desfrutarem de uma experiência verdadeira e pura da verdade, não conseguem estabelecer as leis que governam esse gozo e experiência. Mas o Senhor não pára por aí, pois Sua vontade é conduzir a todos a um entendimento inteligente da verdade. Temos algo acrescentado pela compreensão, para o desfrute, apreciação e poder no indivíduo em questão; e temos algo adicionado para o Senhor ao ter um instrumento mais útil para o propósito da verdade. Por um lado, é um grande dia quando compreendemos nossa experiência, e então podemos dizer: Desfrutei disso, mas nunca compreendi, mas agora vejo o seu sentido. Algo foi adicionado. Para o Senhor esse também é um grande dia, quando Seus filhos não apenas estão desfrutando de uma experiência, mas possuem o entendimento que lhes permite ministrar de maneira inteligente. No Novo Testamento, a doutrina seguia principalmente a história, uma história produzida por certas verdades. Certas verdades foram proclamadas, apreendidas, aceitas pela fé e então a história teve início. Podemos substituir a palavra "história" por "experiência", mas experiência é uma palavra de conotação mais pessoal, enquanto história tem caráter mais geral. Penso na esfera do livro de Atos - os movimentos, desenvolvimentos, idas e vindas. Toda aquela história foi o resultado de certos fatos e verdade apreendidos pela fé. Mas a história não era o fim; mais tarde, a doutrina veio explicar a história. Atos vem antes das Epístolas. As Epístolas foram escritas para explicar a experiência, a história. Qual é o significado disso e daquilo? A resposta é dada na doutrina.
Isso não se trata de uma questão técnica, mas é algo de grande importância, que leva a exemplos concretos. Gostaria que você percebesse a ordem das coisas. Temos a verdade, ainda que incompreendida em sua plenitude, vista como verdade, que é então apreendida pela fé na pureza do espírito e na honestidade do coração, produzindo a história. Mas o Senhor, nunca satisfeito em parar por aí, posteriormente trouxe uma grande revelação, que se tornou no ensino ou na doutrina dessa história. A Igreja, no Livro de Atos, não se moveu, agiu, prosseguiu ou permaneceu na esfera de uma doutrina sistematizada de ordem da Igreja. Ela se moveu espontaneamente, recebendo posteriormente a explicação de tudo, obtendo assim um sistema de doutrinas espirituais da Igreja, nascido da história. Essa história foi ocasionada por verdades aceitas na pureza de espírito pela fé. Se essa ordem sempre tivesse sido preservada, hoje teríamos uma situação muito diferente da que existe em nossos dias. Começamos com um sistema eclesiástico de políticas da Igreja e tentamos aplicá-lo na expectativa de obter vida como resultado. Isso é o oposto da ordem do Novo Testamento: vida, história e depois explicação. Não basta dizer: 'Bem, temos a experiência, então a doutrina não importa'. Muitos dizem isso. Isso é pregar uma experiência em vez da verdade, o que é sempre uma coisa perigosa, tomar a experiência sem fundamentá-la na Palavra de Deus para o ouvinte. "Venha para a nossa experiência." Isso pode ser um tremendo perigo. Quando Pedro disse, como escreveu em sua primeira carta: "... estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós", ele usou a palavra “logos”, traduzida como "razão" [1Pe 3:14]. O que Pedro realmente quis dizer foi: 'Esteja pronto para prestar conta, explicar ou apresentar uma lógica inteligente a respeito da esperança que existe em vocês'. Ele se referia à uma capacidade de prover uma narrativa lógica, uma apresentação, um relato ou prestar contas daquilo que está em você.
Acredito que isso é o suficiente para nos aproximarmos desse assunto das grandes verdades e suas leis. Podemos então passar a considerar a primeira dessas grandes verdades no Evangelho de João.
Capítulo três. A verdade é referida nos versículos 3 e 5. “Se alguém não nascer de novo (do alto), não pode ver o reino de Deus”. “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus”. Você deve se lembrar que essa é uma grande doutrina, o Reino de Deus. Era algo que tinha que ser pregado. Era o objeto a ser apresentado. Era algo que devia possuir os interesses e preocupações dos homens. Aqui, estranhamente, e talvez você se assuste ao ouvir isso, nascer de novo não é a primeira coisa. O Reino de Deus é a primeira coisa. Você não terá interesse em nascer de novo se não se interessar pelo Reino de Deus. Para levá-lo ao lugar em que você estará preocupado em nascer de novo, você deve, antes de tudo, ser conduzido face a face com o Reino de Deus; você deve se interessar por isso. Assim, os discípulos e os apóstolos pregavam o Reino de Deus - no sentido principal, um termo sinônimo de Reino dos Céus; são termos intercambiáveis, usados frequentemente para se referir exatamente a mesma coisa. Eles deveriam pregar o Reino de Deus, ou o Reino dos Céus. O próprio Paulo pregou a respeito disso até o fim de sua prisão em Roma, assim nos é declarado em Atos 28.
Resumidamente, o que é o Reino de Deus? Não é apenas um reino, mas um estado. Não é meramente uma ordem de coisas exteriores, mas um estado de vida interior. "O reino de Deus não é comida nem bebida" [Rm 14:17]; "Não vem o reino de Deus com visível aparência" [Lc 17:20]. Não é um sistema imposto de fora para dentro, mas é um tipo de natureza que é celestial e de Deus. Se é um domínio, e o é, é um domínio no qual um estado é obtido e, antes que você possa entrar nesse domínio, é necessário entrar no estado. O Reino de Deus é aquilo que por natureza pertence a Deus; é, em uma palavra, a natureza de Deus, a semelhança de Deus, a abreviação do que é piedade; isso é o Reino de Deus. Nesse reino, não se obtém nada que não seja Deus. Essa é uma afirmação muito abrangente e completa. Voltaremos a isso logo mais. Esta foi apenas uma breve palavra sobre o que é e o que não é.
Qual é a lei do Rino de Deus? Sua lei é o nascimento do alto. "Se alguém não nascer..." "Gennethei" significa gerado do alto. É algo mais absoluto do que o significado de nascimento. Para nós, o nascimento é a consumação de um processo. Aqui não se trata da consumação de um processo, mas é o ato original. A mesma palavra às vezes é traduzida como "gerado". Gerado de cima. Há três coisas nessa conexão. Primeiro, a diferença fundamental; segundo, a essência; e terceiro, a base.
Primeiramente, a diferença fundamental: " O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito" (versículo 6). Quero enfatizar o que antes chamei de "a singularidade" do novo nascimento. A maior realidade no filho de Deus, agora e até ao fim de sua experiência, é essa "singularidade". Em primeiro lugar, é uma "singularidade" do ser, isto é, da individualidade. Algo muito relacionado a nós, e ainda assim completamente distinto de nós.
Há uma doença, da qual muitas pessoas sofrem atualmente, chamada neurastenia. Uma das características dessa doença é a consciência de personalidades secundárias; isto é, a pessoa que sofre dessa doença está constantemente consciente de alguma outra presença invisível, geralmente maligna, sombria, perto deles, seguindo-os, assombrando-os, influenciando-os, às vezes insinuando, sugerindo. Algo muito real e terrível. À medida que essa doença se desenvolve e progride, essa personalidade secundária parece se tornar cada vez mais a própria personalidade da pessoa doente.
Assim, muitos que têm uma formação religiosa aceitam a ideia de que isso é possessão demoníaca, e acreditam que essas pessoas estão, com efeito, encarnando demônios.
Estou usando isso como ilustração. Sei que isso está conduzindo o assunto para o lado errado e para um nível muito baixo. Mas, o que quero dizer é que, no novo nascimento, existe aquela "singularidade" que não é nós mesmos, embora intimamente relacionada a nós, mas é algo do alto e é a maior realidade do verdadeiro filho de Deus até o fim.
Eu, por natureza, sou uma coisa, mas dentro de mim há algo que é diferente. Eu iria por esse caminho, mas esse Algo não seguiria nessa direção. Certamente eu falaria desta maneira, mas esse Algo não concorda comigo e corrige o que está sendo dito. Eu escolheria um determinado curso, mas esse Algo me conscientiza de que Ele não está aprovando aquilo. Isso é muito difícil de definir e explicar, mas é algo muito real. É a base e a esperança de tudo para nós, essa "singularidade".
Portanto, a primeira nota, então, é a da distinção de entidade. Somos nós, e ainda assim, não somos nós, e sabemos que muitas vezes esses dois trabalham separados e não concordam. Certa vez, criei uma expressão técnica para tentar definir isso - se você não consegue entender o significado disso, não se preocupe, falei que isso é algo como o subjetivo-objetivo. Ou seja, algo interior, mas separado de mim, além de mim por natureza. Você percebe a importância disso, mesmo que seja por meio dessa expressão técnica. (Gostaria de dizer que não estou querendo te encher de termos técnicos. O que anseio é chegar à raiz das questões. Não estou pensando em nada além do que tem valor prático, e estou apenas tentando chegar ao valor prático das coisas para o bem do povo do Senhor. Não pense em tudo isso como sendo apenas muitos assuntos que eu separei para tentar transmitir a você. O meu desejo é que você alcance o real valor de tudo isso).
Em segundo lugar está a essência, não apenas como existência, individualmente, mas de constituição, de natureza, de perspectiva; completamente diferente de nós mesmos, diferentemente constituído. Tão completa é a diferença de constituição que muitas vezes contradiz nossas melhores e mais elevadas ideias, julgamentos e pensamentos. Diferentes nacionalidades têm concepções distintas. Quando alguém de outra nacionalidade chega em nosso país, ou nós chegamos ao país dele, descobrimos que eles fazem coisas que nunca pensamos em fazer, e que nós fazemos coisas que eles jamais pensariam em fazer, e essas coisas que são feitas representam uma concepção e um padrão completamente diferentes.
Diríamos nós: isso é algo que não se faz em nosso país; fazer isso em nosso país seria escandaloso; mas para vocês é algo aceito. Eles talvez diriam o mesmo de muitas coisas que temos entre nós. Veja a questão da linguagem: uma mesma palavra significa coisas totalmente diferentes em países distintos. Na Inglaterra, por exemplo, pensamos muito em nossa deliciosa palavra "caseira". Se você usa essa palavra nos Estados Unidos, as pessoas franzem a cara para você. Aqui achamos que é o maior elogio dizer que uma mulher é "caseira". Nos Estados Unidos, isso significa que ela é muito rudimentar, simples e feia. Existe uma diferença total na concepção.
Nesse sentido, essa "Singularidade" é algo diferente das nossas concepções, nossas ideias, nossos julgamentos, nossos padrões; mesmo os mais elevados e melhores muitas vezes são desafiados por essa "singularidade". É uma "singularidade" na constituição.
Para resumir em uma expressão, Deus é diferente de nós, mesmos se O compararmos com o nosso melhor. Houve uma ruptura, não existindo uma continuidade de Deus na raça caída. Oh, muito alvoroço é feito em torno da continuidade de Deus na raça caída, no homem. Muita coisa é dita em certas esferas a respeito de Deus em todo homem. Muito é dito sobre o Cristo em nós. Mas houve uma ruptura: Deus não é residente e Cristo não está presente no homem natural. Deus é diferente do homem, e tão completamente diferente quanto é possível para os dois. Ao invés de estender um dedo ou falar uma palavra para salvar, para resgatar a Si mesmo naquela criação, Deus destinou tudo à destruição. Deus não teria feito isso se Ele estivesse nessa criação. Se fosse assim, Ele estaria Se entregando à destruição. Se a Cruz do Senhor Jesus foi algo representativo, na qual toda a raça morreu sob a mão de Deus, então Deus teria matado a Si mesmo, se Ele estivesse nessa raça. A raça é tão plenamente sem Deus, que Ele não a salvará como ela é. Não. Houve uma ruptura, a continuidade foi encerrada. Essa é a "singularidade".
Até agora falamos no impessoal, temos então que trazê-lo para o pessoal, e dizer que a essência do novo nascimento é Deus, em Cristo, entrando por meio do Espírito Santo. É o próprio Deus em Cristo, pelo Espírito Santo entrando onde Ele não está. Deus não está no homem natural. Cristo não está no homem natural. O Espírito Santo não está no homem natural. "O Cristo em todo homem", do qual ouvimos tanto, é uma expressão que torna Cristo impessoal e fala de Cristo como alguma coisa. Mas O NOVO NASCIMENTO É UM ADVENTO, NÃO UM AVIVAMENTO. É um advento tão distinto e definitivo quanto o nascimento do Senhor Jesus em Belém, que não foi uma evolução, nem um avivamento, mas foi um advento.
O avivamento não é para pessoas não salvas. Novo nascimento é para pessoas não salvas. O avivamento é para pessoas salvas, em quem a vida se estagnou ou desvaneceu. O novo nascimento é o ato definitivo de o Senhor vir e residir como Senhor acima de nós. Nos lembramos do que o Senhor Jesus disse sobre o Reino e sua vinda: "dos que aqui se encontram, alguns há que, de maneira nenhuma, passarão pela morte até que vejam ter chegado com poder o reino de Deus" [Mc 9:1].
Quando isso aconteceu? Seu primeiro movimento foi no Monte da Transfiguração, e o segundo foi no Pentecostes. O Reino veio no Pentecostes. Mas o que foi o Pentecostes? O advento do Espírito! E qual foi o advento do Espírito? A residência do Espírito dentro da Igreja! Foi um advento. Até então, tudo estava em um estado de suspense sob a ordem divina. Toda a verdade foi apreendida, mas se eles tivessem pregado a verdade sobre o Pentecostes, teriam estado em uma posição falsa, um estado desbalanceado; haveria inconsistência, e essa verdade voltaria contra eles para destruí-los, e não operaria a favor deles.
Pentecostes, o Advento do Espírito, foi o berço do Espírito de Deus dentro da Igreja. Havia prenúncios e indicações, princípios claramente marcados e definidos antes disso. Houve um período parentético em que tudo estava em movimento, mas a consumação real não havia acontecido até o Pentecostes.
Naquela sala estava a Igreja representada, quando o Senhor chegou e soprou sobre eles e disse: "Recebei o Espírito Santo" [Jo 20:22]. Naquele momento, a Igreja estava sendo figuradamente constituída pelo Espírito Santo. Entretanto, não lhe foi permitida mover-se, nem poderia ela funcionar. Tudo ficou suspenso por um período probatório até o advento do Espírito, que tornou tudo em realidade. Agora, a lei do Reino de Deus nasce do alto, que é o Advento de Deus em Cristo pelo Espírito em nosso coração, constituindo uma "Singularidade" que deve ser a nossa verdadeira vida até o fim.
Aqueles que têm algum senso, compreensão e conhecimento espirituais sabem como é verdadeira essa "Singularidade". É algo sobre o qual talvez tenhamos caído repetidamente, como quanto tivemos a última palavra em uma discussão, ou quando debatemos conosco mesmos a respeito das nossas próprias vidas cristãs. Ou seja, há momentos em que, devido a várias condições ou circunstâncias, provações, dificuldades, períodos sombrios da experiência, o inimigo nos cerca em um canto e nos faz questionar a realidade de tudo; a realidade da nossa experiência e da nossa salvação. Nessas situações, qual é a nossa última palavra? Muitas vezes, no meu caso, a última palavra foi: seja o que for que eu sou ou não sou, essa "Singularidade" é a maior realidade que conheço. Sei por experiência que quando, para mim, certas coisas se tornaram totalmente impossíveis, espiritual, mental e fisicamente, essa "Singularidade" veio resgatar e completar tudo. Sei que minha experiência não é produto do meu próprio “eu”; sei que a obra que fiz não foi o resultado da minha própria capacidade. Conheço perfeitamente minhas limitações, mas sei que há uma história que não pode ser explicada por nada que seja meu. Eu sei disso quando cada grama de meu ser, no seu melhor, argumenta em uma certa direção, mas aquela "Singularidade" não concorda comigo e me convence do contrário, e a questão prova que essa "Singularidade" estava certa e eu, no meu melhor, estava errado. O que é essa "Singularidade"? É o Senhor, o Espírito. Essa é a essência do nascimento do alto, o próprio Senhor. Ele não é como nós somos - Ele é outro.
A terceira coisa: a base do novo nascimento. É a aceitação do fim das possibilidades do velho nascimento. No que diz respeito ao Reino de Deus e tudo o que se relaciona a ele – caráter, conduta, ser, fazer, conhecer, compreender e funcionar - o nascimento natural não oferece absolutamente nenhuma possibilidade de nos levar até lá.
Naturalmente, não podemos ver o Reino de Deus. Mesmo no alto nível de um Nicodemos – equipada, religiosa, intelectual, eclesiástica e moralmente falando - não podemos ver o Reino de Deus, mesmo na nossa melhor forma natural ou por realização humana. Sei que isto que estou dizendo é algo que muitos já conhecem, mas sejam pacientes.
É muito importante que a primeira coisa que vamos falar seja familiar a todos, e que possamos dizê-las enfaticamente. Não está determinado o motivo pelo qual o Senhor Jesus alterou a ordem de Sua resposta a Nicodemos no quinto versículo, em comparação com o terceiro. Uma coisa está clara: Nicodemos não entendeu Sua declaração. Nicodemos entendeu que Ele estava querendo dizer o que nossa Versão Autorizada parece sugerir: "Você precisa nascer de novo". Isso lhe transmitiu uma ideia completamente diferente de nascer do alto. A palavra grega usada permite essa concepção e apreensão; de fato, a mesma palavra é usada em outro lugar no sentido de “novamente” ou “uma segunda vez”. Nicodemos apenas recorreu a esse aspecto específico da palavra, o da declaração do Senhor no sentido de um nascimento que se repete.
O Senhor, em Sua mudança de direção, de linguagem, evidentemente pretendia lidar com mal compreensão e apreensão inadequada, e essa é a única maneira pela qual podemos explicar o que Ele quis dizer em Sua segunda declaração: "Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus." Alguns acreditam que o Senhor, ao usar a palavra "água", estava Se referindo à Palavra de Deus. Outros, em bem maior número, penso eu, sustentam que se refere ao batismo.
A palavra aqui é: "...fora da água e do Espírito". Se é isso o que o Senhor queria dizer, toca imediatamente o que estávamos dizendo na declaração anterior; mas, quer o Senhor quis dizer batismo e Espírito, quer não, o princípio sustenta que nascer do alto, posto em oposição à posição de Nicodemos, significa que uma história está completamente terminada e outra - uma história completamente diferente – inicia-se.
Portanto, o princípio é o mesmo: se é batismo - o batismo é um TIPO de morte para a antiga criação, morte e sepultamento, em que um sistema inteiro, ordem e criação é deixado de lado e fora da vista de Deus; crucificado com Cristo, sepultado com Cristo, então, é claro, ressuscitado em Cristo. É a nossa aceitação do fim das possibilidades do velho nascimento.
Não trouxemos um fim à essas possibilidades, que foram alcançadas há muito tempo, e Deus as vê e as declara, e o nascimento do alto pressupõe e postula o fato de que esse velho nascimento, mesmo no seu melhor, nunca poderá ver ou entrar no Reino de Deus. Tentar fazer isso pelo velho nascimento é inútil e fútil. Você e eu nunca entraremos no Reino de Deus por outra base que não seja Deus vindo ao nosso interior em um novo nascimento; nesse sentido, nascemos do alto; um ato de Deus pelo Espírito Santo: "... assim é todo o que é nascido do Espírito." "O que é nascido da carne é carne; e o que é nascido do Espírito é espírito."
O novo nascimento significa que nós, por um ato de Deus no Espírito Santo, nos tornamos espirituais, no sentido de que correspondemos totalmente ao Reino de Deus em sua natureza espiritual. É uma adequação a Deus. "Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” [Jo 4:24].
Acredito que agora podemos ver o motivo pelo qual o Senhor imediatamente, de maneira tão peculiar e estranha, interrompeu Nicodemos com um imperativo. Nicodemos inicia sua conversa - não sei se de uma maneira paternalista ou um tanto absurda: "Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele" [Jo 3:2]. "Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" [Jo 3:3]. Qual é a conexão entre a pergunta e a resposta? Parece não haver qualquer vínculo entre elas, e fazer essa conexão parece que não era relevante. O que aconteceu foi uma tremenda interrupção por parte do Mestre, trazendo uma pausa à tudo isso e dizendo, com efeito: Se você veio discutir coisas espirituais, vamos parar por aqui, porque sua necessidade é nascer do alto. Se veio falar sobre o Reino de Deus e como entrar nele, você deve nascer do alto. Se você está interessado em Mim e no que Eu represento, você só pode ter um interesse e compreensão vivos quando nascer do alto.
Perceba que ele antecipa o final que Nicodemos provavelmente tinha em mente, e o traz à tona com um imperativo logo no início, como que dizendo: Olhe aqui, Nicodemos, não adianta você e eu discutirmos essas coisas, porque estamos em dois reinos diferentes; precisamos estar no mesmo reino para entender e apreciar essas coisas, e Eu sou do alto; você tem que vir do alto, Nicodemos, para estar em comunhão Comigo; não temos como conversar sobre o assunto enquanto você está em um mundo e Eu em outro. Você deve chegar ao reino em que estou, e então teremos comunhão e entendimento, porque isso significa que você terá novas capacidades, uma nova consciência; você será capacitado com habilidade espiritual para entrar nessas coisas. Até que você nasça do alto, isso te será impossível, mesmo sendo um mestre em Israel.
Esse imperativo, esse "é necessário" carrega consigo toda absoluta impossibilidade do homem natural, mesmo em seu mais alto nível, de entrar nas coisas do Reino de Deus e em tudo o que contém o lado positivo e poderoso daquilo que é estar no Reino de Deus. Isto é, ter o que é de Deus residindo no interior por meio do nascimento; Capacidade Divina, consciência Divina, entendimento e inteligência Divinos, e tudo o que pertence a Deus - exceto a divindade.
Para mim, a maravilha da vida cristã é a realidade do que chamei de "Singularidade". A realidade de Outro tão intimamente relacionada comigo, subjetiva e ainda objetiva. Em mim, mas não eu, e ainda assim, tão perto de mim, da minha consciência tanto quanto é possível algo estar. Esse é o fundamento de toda a nossa esperança e confiança; é a fonte de tudo para a realização final da perfeita semelhança de Deus; "Cristo em vós a esperança da glória".
Em outro capítulo, veremos com que ilustração vigorosa o Senhor aplicou a Sua declaração sobre a necessidade de nascer de novo, e o porquê disso.
Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.