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Vimos a Sua glória - Volume 1

por T. Austin-Sparks

Capítulo 8 - Libertos pelo Filho

Libertos pelo Filho

Os versos 32 e 36 nos dão a chave para o capítulo oito de João:
 
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

“Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres”.
 
Isso nos fala de liberdade por meio do conhecimento da verdade. Percebemos que a declaração feita pelo Senhor Jesus a respeito da libertação pela verdade trouxe à luz imediatamente, naqueles com que Ele falava, essa questão da escravidão. A reação instantânea deles às Suas palavras foi de repúdio à sugestão de que eles eram escravos. Eles disseram: “...jamais fomos escravos de alguém...” e, em dizendo isso, traíram completamente a si mesmos. Eles mostraram como estavam completamente cegos, justificando com isso as palavras iniciais dessa porção: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas trevas” [vv. 12]. Não há necessidade de luz se não há trevas. O Senhor Jesus declarou que Ele era a Luz, e Ele conhecia bem a profundidade das trevas a que se referia. Entretanto, seus ouvintes não tinham consciência delas, e por isso, não viam a necessidade do Senhor Jesus. Eles não percebiam sua escravidão; portanto, não viam necessidade de libertação. É incrível como todo esse capítulo justifica o Senhor, ao declará-Lo como a Luz e como o Libertador, devido à existência de trevas e de escravidão, mesmo que não tenhamos consciência delas.
 
Desta forma, esse capítulo traz à tona o fato e a natureza das trevas e da escravidão, e então mostra o caminho para a libertação, que é o próprio Senhor Jesus. Eles replicaram: “...jamais fomos escravos...” O Senhor mostrará a eles pelo menos quatro tipos de escravidão e, à medida em que eles não reconhecem nenhuma delas, fica claro quão profundas eram as trevas em que aquelas pessoas se encontravam.
 

(1)  Escravos da Lei

Primeiramente, Jesus deixa perfeitamente claro que eles eram escravos da lei, da seguinte maneira: a lei os dominava como um senhor, um juiz, algo do qual eram incapazes de se libertar e escapar, e deveriam obrigatoriamente se render. Era dessa forma que eles eram escravos da lei. Os primeiros onze versos deste capítulo são um parêntese notável. Devemos ver como eles se encaixam no assunto geral. Ao trazerem aquela mulher surpreendida em pecado, os escribas e fariseus disseram ao Senhor: "Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?" [Jo 8:4,5]. É evidente que esse era um ato totalmente ilegal para eles. Eles tinham um tribunal reconhecido para esses casos, onde a lei era implementada. Eles não deveriam tirar o caso da esfera legal competente para trazê-lo para uma pessoa em particular, especialmente para Aquele em Quem eles não criam. Mas o homem faz qualquer coisa com vistas a alcançar seu propósito, e o objetivo desses escribas era apanhar o Senhor em alguma armadilha. Eles estavam tentando levá-Lo a declarar Seu julgamento sobre aquela causa, O colocando em conflito com o Sinédrio, que era o tribunal judicial. Mas antes de deixar esse assunto de lado, por enquanto, vejamos a questão que vem à luz: "mandou Moisés... tu, pois, que dizes?" Ele confirmará as palavras de Moisés? Se Ele assim o fizer, pronunciando Seu julgamento, Ele tomará o lugar do Sinédrio, e também entrará imediatamente em conflito com as autoridades romanas que, naquela época, haviam suplantado Moisés na aplicação da lei. Ele deixará Moisés de lado? Se assim o fizer, será conivente e estará aceitando o pecado, e assim estará tomando parte com o mal. Parece uma armadilha da qual não há como escapar.
 
O Senhor está sentado no templo ensinando quando eles trazem a mulher, apresentando sua acusação e O interrogando. Então, o Senhor se inclina de seu assento e começa a escrever no chão. Eles O pressionam com sua pergunta, e tudo o que Ele diz, levantando Sua cabeça, é: "Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra" voltando a inclinar-Se. Depois de escrever mais um pouco, Ele olha para cima e todos se foram. A Palavra nos diz: "Eles... foram se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos". Você acha que eles não eram escravos da lei? O Senhor lhes apresentou a mesma lei que estavam tentando aplicar àquela mulher. Ele usou as próprias armas dos acusadores contra eles. Aqueles que achavam que estavam bem com Moisés acabaram fustigados por Moisés, não puderam suportar a lei. Se pudessem resistir à lei de Moisés, aquela mulher teria sido apedrejada, mas eles não puderam fazê-lo. A lei os julgou e os condenou. Como ficou clara sua condição de escravidão, quando eles se foram!
 
Podemos ver a aplicação disso para nós, à medida que avançamos. Todos são escravizados pela lei dessa mesma maneira, não apenas eles. Deus proferiu Sua lei e nunca retirou nem um fragmento dela. Essa lei permanece! É abrangente e detalhada; toca tudo na vida e no caráter. Por um lado, temos uma lista abrangente de ordenanças do que não fazer: “Não faça!”. Do outro, outra enorme relação de mandamentos positivos: “Faça!”. E então os dois lados são resumidos em uma única afirmação: Se você for culpado de violar ainda que seja apenas um ponto da lei, é culpado de toda lei. Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos [Tg 2:10]. Não podemos resistir a isso. Estamos em cativeiro por natureza. Deus falou e não conseguiremos escapar. Somos responsáveis por tudo o que Deus nos deu a conhecer de Sua mente, de Suas exigências, tanto do lado do "Faça", como do lado do "Não faça". Nunca poderemos fugir disso, vamos responder por isso um dia. Cada um de nós terá que estar diante de Deus, para prestar contas a Ele por Sua lei, não tem escapatória. Deus trará isso à tona para nós, mais cedo ou mais tarde, e isso significará condenação e julgamento para cada um de nós. Só existe uma maneira de escapar, apesar de sermos todos escravos da lei por natureza, e de termos todos que prestar contas pela lei. Será que existe alguém que possa dizer que guardou toda a lei e nunca violou qualquer pedacinho do mandamento de Deus? Não é uma questão de quantidade de pecados. Se você só cometer uma violação do mandamento de Deus, é culpado de tudo mais diante Dele. Se a lei é quebrada, está provado que você é um pecador, e você pode prosseguir nesse caminho até quando estiver diante de Deus. O fato do pecado está estabelecido e, seja ele um pecado grande ou pequeno, maior ou menor, é um julgamento.
 
(2)  Escravos do Pecado

Em segundo lugar, eles eram escravos do pecado. Eles disseram: “jamais fomos escravos de alguém”. Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo: todo o que comete pecado é escravo do pecado” [Jo 8:33,34]. Um pouco antes, eles haviam se deparado com essa mesma questão e foram incapazes de se posicionar assim: “Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra” [Jo 8:7]. Essas mesmas pessoas haviam se retirado e, em tendo feito isso, haviam reconhecido que não estavam sem pecado. Agora Ele diz: “todo o que comete pecado é escravo do pecado”. Com isso, eles confessaram ser escravos do pecado. Eles não admitiriam isso com palavras, mas essa convicção certamente tocou-lhes a consciência.
 
Deixando os fariseus de lado, não é necessário muito esforço para perceber como isso nos diz respeito também. Não acredito que nós faríamos o mesmo que os fariseus religiosos, que repudiaram verbalmente qualquer escravidão do pecado. Nenhum de nós diria que não tem pecado. Mas, te pergunto: Você alguma vez já tentou parar de pecar? Você já tentou nunca mais pecar? Já começou um dia dizendo: Não pecarei hoje!? Como você se saiu? Você sabe muito bem que é escravo do pecado e que não tem opção. A questão não é se você, que ainda não é salvo e não está em Cristo, tem esse domínio, pois isso domina você. O pecado é seu senhor. Sabemos muito bem que, fora de Cristo, o pecado tem domínio sobre nós e somos escravos dele. É isso que Jesus deixou bastante claro, trazendo à tona nesse incidente.
 
(3)  Escravos de Satanás

Então, em terceiro lugar, eles eram escravos do diabo. “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos” [Jo 8:44]. Essa é uma coisa horrível de se dizer, mas o Senhor provou que estava certo ao dizer isso. Aqueles fariseus religiosos mataram o Senhor da Glória, e dois mil anos provaram a origem diabólica de suas obras; o diabo estava por trás daquilo; aquela não era uma obra de Deus. Desta forma, Jesus disse uma verdade, como está registrado aqui: que o pai deles era o diabo, e que eles realizaram as obras de seu pai. Eles eram, portanto, cegamente escravos do diabo.
 
Há ainda um fato mais profundo por trás do estado de todo homem e mulher nascido neste mundo. Eles estão debaixo da tirania da lei de Deus, são escravos do pecado, mas, por detrás de tudo isso, está a tirania do diabo. Precisamos reconhecer que não estamos lidando apenas com o pecado, mesmo sendo ele tão poderoso como é, mas é o próprio Satanás que está por detrás do pecado. Você não pode enganar o diabo! Você pode até tomar algumas precauções contra o pecado, mas logo descobrirá que não está lutando contra algo abstrato, mas contra uma inteligência sinistra e astuta, que pode fazer você tropeçar ainda que você não queira que isso aconteça. Ele pode te pegar de surpresa quando não estiver vigiando, quando estiver cansado e incapaz de se posicionar. Está tudo planejado, pensado e esquematizado. O diabo está por detrás desse negócio de pecado, com sua grande inteligência e seu grande poder. Todo homem e mulher fora de Cristo não é apenas escravo do pecado, mas também escravo do diabo. É muito bom que as pessoas digam que não vão mais pecar novamente, que desistem de pecar. Entretanto, elas não conseguirão se livrar do diabo assim, de forma tão simples, ele não vai se afastar tão facilmente. Essas pessoas não estão lidando meramente com algum hábito, algo em que escorregam de vez em quando, mas estão na armadilha, nas garras e no domínio do diabo. Elas não precisam apenas serem salvas do pecado, mas precisam ser salvas dele. Até mesmo os fariseus religiosos eram ali escravos de Satanás.
 
(4)  Escravos do Juízo

A quarta coisa que o Senhor Jesus trás à luz aqui é que eles eram escravos do juízo. Por causa escravidão tríplice mencionada, o juízo repousa sobre eles, o julgamento de Deus. “Perecereis no vosso pecado” [Jo 8:21]. Isso não significa meramente sumir, deixar de existir, mas “...aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” [Hb 9:27] e não há como escapar dele. Escravos do juízo, ou seja, o julgamento se levanta como senhor da situação para cada pecador. O que Ele disse a respeito de ser escravo é algo muito, muito grandioso, algo verdadeiro em todas as direções. Quando Ele disse: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” [Jo 8:32], e toda a questão de ser escravo veio à tona, instantaneamente eles repudiaram essa sugestão e insinuação. Mas o Senhor provou estar certo, mostrando que eles eram muito mais escravizados do que jamais haviam imaginado.
 
Cristo – A Verdade que Liberta

Isso é o que somos - escravos, mas Ele acrescenta: “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará... Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” [Jo 8:32,36]. Vimos que de um lado está a escravidão, agora veremos que do outro lado está a liberdade pela verdade. Que verdade liberta? O Evangelho de João está dividido em várias seções. A primeira delas está relacionada com a vida, a segunda com a luz. Cada uma dessas seções está relacionada à Pessoa do Senhor Jesus. Quando Ele está tratando da vida, a declaração central é: “Eu sou a vida”, e quando está lidando com a luz e a verdade, a declaração central é: “Eu sou a luz”. Tudo isso é dito com foco nEle. “E conhecereis a verdade”. “Eu sou a verdade!”. Isso equivale a dizer que: “Me conhecereis e sereis libertos”. O que quer dizer conhece-Lo como verdade e ser liberto? Não significa apenas saber do fato de que o Senhor Jesus existe. Não é apenas crer que existe tal Pessoa. É conhecer o que Ele representa, o que Ele significa.
 
A Lei Cumprida, Deus Satisfeito

Qual é a verdade no Senhor Jesus que nos liberta da escravidão da lei? Deus nunca diminui Sua lei, nem um fragmento sequer, mas toda a lei foi plenamente cumprida pelo Senhor Jesus em nosso favor. Cada um de nós foi vencido pela lei, mas Deus nunca disse: ‘Bem, como vocês não são capazes de cumprir a lei; os abandonarei’. Nunca! Ele disse: ‘vocês têm que encarar isso!’? Impossível! Bem, qual é então o caminho para escapar? A lei de Deus deve ser cumprida! O Senhor Jesus veio e disse: ‘Eu cumprirei toda a lei e, quando ela tiver sido plenamente cumprida, podemos retirá-la do caminho’. A lei jamais poderia ser deixada de lado até ser totalmente cumprida e, por isso, o senhor a cumpriu em nosso favor, satisfazendo plenamente a Deus. “Eis aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito), para fazer, ó Deus, a tua vontade” [Hb 10:7]. E Ele a fez perfeitamente. Tendo cumprido e honrado a lei, Ele a tirou do caminho e introduziu a dispensação da graça. Agora nós podemos cantar:
 
Livres da lei, oh feliz condição!

Pelo sangue de Jesus há remissão

Amaldiçoados pela lei e feridos pela queda

De uma vez por todas, a graça nos redimiu

[Hino “Salvação Perfeita”– tradução livre do original].

 
A verdade em Jesus, pela qual somos libertos, é que Ele satisfez Deus na questão da lei. Mas, devemos nos lembrar que tudo se apoiou em Quem Jesus Cristo era. Nenhum homem comum poderia fazer essa obra universal, unindo o terreno e o celestial, o tempo e a eternidade. Somente Aquele que foi colocado em posição única de representação universal pôde cumpri-la.
 
O Pecado Expiado, O Homem Justificado

O próximo ponto é o pecado. Temos a verdade em Jesus contra a escravidão do pecado. “Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós...” [II Co 5:21]. Sua alma se tornou uma oferta pelo pecado. “Ele fez uma completa expiação”. “Mas ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” [Is 53:5]. A verdade em Jesus, por meio da qual nos tornamos livres do pecado, é que Ele lidou com toda a questão do pecado em nosso favor, e essa libertação da escravidão do pecado é uma libertação completa no Senhor Jesus, que foi Aquele que levou sobre Si o pecado.
 
Satanás Derrotado, O Homem Liberto

Isso também é verdade em relação à escravidão de Satanás. “Agora”, disse Ele quando foi para a Cruz, “o príncipe deste mundo será expulso” [Jo 12:31]. “O príncipe deste mundo já está julgado” [Jo 16:11]. Refletindo, com iluminação Divina, a repeito do acontecimento invisível no Calvário, o Apóstolo disse: “despojando os principados e as potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz” [Cl 2:15]. E, como resultado disso, o Apóstolo ainda afirma: “Mas graças a Deus, que me conduz de um lugar para outro no Seu cortejo de triunfo, para celebrar Sua vitória sobre os inimigos de Cristo” (Conybeare). O Calvário foi a vitória de Cristo sobre o Diabo em nosso favor e, por causa do que Ele ali fez, somos libertos da escravidão de Satanás.
 
O Julgamento Executado, O Homem em Descanso

Então temos a escravidão do julgamento. Se Ele, por livre e espontânea vontade, sem estar pessoalmente envolvido por nascimento ou natureza, tomou nosso lugar em relação ao pecado e, quando debaixo da lei e do poder de Satanás, os quais ele destruiu a todos, destruindo também a consequência que os seguem – o julgamento. Em Sua Cruz, Ele recebeu nosso julgamento, e o julgamento que estava sobre nós foi esgotado nEle. O Salmista, profetizando a esse respeito, colocou profeticamente essas palavras em Sua boca: “todas as tuas ondas e vagas passaram sobre mim” [Sl 42:7]. Esse foi o julgamento de Deus passando sobre Sua alma, quando Ele nos representou. Bendito seja Deus! Eu e você, em Cristo, não temos mais que enfrentar o julgamento. Para nós, essas coisas se passaram, mas elas ainda permanecem para aqueles que estão fora de Cristo.

A Família daqueles que são Livres

Há ainda uma outra coisa que deve ser notada. “Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres” [Jo 8:36]. “Se, pois, o Filho...”. É bastante impressionante quão frequentemente esse título é usado em “João”. Paralelamente temos o termo “O Pai”. O termo “Pai” aparece cento e onze vezes no Evangelho de João. “O Pai” e “O Filho” são termos familiares. Então, é significativo identificarmos esses termos familiares que aparecem no começo do evangelho de “João” a respeito do novo nascimento. “Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne...” [Jo 1:12,13], e nas palavras para Nicodemos: “Importa-vos nascer de novo” [Jo 3:7]. Esse é um pensamento de família. Há um Pai, um Filho, mas para estar nessa família, é preciso nascer nela; e “se, pois, o Filho vos libertar”, significa que você está na família. Ele disse: “O escravo não fica sempre na casa; o filho, sim, para sempre” [Jo 8:35]. Se você está sob a escravidão da lei, não há lugar para você nessa família. Essa é a família dos livres, dos nascidos livres. Como seremos livres da escravidão do pecado, de Satanás, do juízo? Nascendo de novo. O Filho nos torna livres. Ao Filho é dado o poder para conceder a vida eterna a tantos quanto Ele desejar, e nós recebemos vida eterna quando nascemos de novo. Esse é o dom que Cristo, o Filho, nos dá. É a vida eterna por meio de Jesus Cristo nosso Senhor. Como nos tornamos livres? Quando nascermos de novo e somos trazidos para a família. Nos tornamos membros da família daqueles que são livres de todas essas coisas que remetem à escravidão.
 
Se estamos nos regozijando na grande liberdade que temos em Cristo, nosso grande desejo é que essa seja a alegria de todos. Se você não entende esses termos, vamos falar da seguinte forma: Você deve conhecer o Senhor Jesus como Salvador, e então você se tornará livre da lei, do pecado, de Satanás e do juízo.
 
Uma Característica Curiosa

Observamos no capítulo 7 que o caráter geral desse Evangelho é pivotado, e um novo aspecto da Pessoa e obra de Cristo é introduzido. Com esse capítulo, a questão da luz é introduzida, mas quando chegamos à seção marcada pelo capítulo 8, essa "luz" assume uma forma definida que segue até o final do capítulo 9. Os primeiros onze versos do capítulo 8, como será notado, são como um parêntese. Eles parecem descrever quase que uma curiosidade. Isso é reconhecido pela ausência de qualquer senso de continuidade entre os versos 11 e 12. O verso 12 parece remeter ao verso 52 do capítulo 7. Por que isso acontece? Qual é a explicação dessa característica curiosa? Quer o próprio João soubesse ou não, há aqui mais um notável exemplo do seguimento de uma história espiritual progressiva. Vamos ver isso à medida que avançamos.
 
A Pessoa de Cristo Antes da Doutrina

Podemos vislumbrar esse parêntese por duas perspectivas, a natural e a espiritual. A natural remete àquilo que se relaciona com a armadilha que foi preparada para Cristo. Esses líderes judeus, procurando ludibriá-Lo, trouxeram essa mulher, como eles disseram, apanhada em flagrante pecado, e apresentaram a ele essa pergunta: "Moisés ordenou... o que dizes tu?" Quando todos os fatores são levados em conta, parece ser uma armadilha dextremamente difícil de se desvencilhar, se não impossível. Ao trazer essa questão, eles estariam considerando que, se Ele colocasse Moisés de lado, haveria um caso claro contra Ele diante de todo o mundo judeu, e especialmente diante do Sinédrio Judaico. Tal atitude também O envolveria na acusação de considera-Lo conivente com o pecado. Se, por outro lado, Ele permanecesse com Moisés e concordasse ou exigisse o apedrejamento dessa mulher de acordo com a lei, duas coisas aconteceriam: Ele entraria em colisão com as autoridades romanas, que naquela época suplantavam a lei judaica, e então levantaria um forte problema social com a opinião pública, pois a moralidade na ocasião se tornara muito frouxa, e seria difícil ser popular, se tais medidas extremas fossem aplicadas. Podem haver outros pontos, mas, diante das circunstâncias, isso parece ser uma interpretação razoável do que estava acontecendo. A probabilidade é que a última alternativa seja a suposição mais fraca, visto que, em muitas vezes, Ele suplantou Moisés em algumas de Suas afirmações - "... Eu, porém, vos digo..." - eles ficariam satisfeitos em apanhá-Lo em implicações morais por parecer tolerar esse pecado, contra o qual Moisés havia condenado tão severamente.
 
Com essa armadilha diante de nós, e - como aqueles que a colocaram poderiam pensar – da qual não há escapatória, podemos ver por que o Espírito de Deus colocou este incidente onde está, apesar de parecer tão desconectado da narrativa para a mente humana. Ele serve de três maneiras ao propósito principal de trazer à luz a glória e a grandeza de Cristo. Antes de considerarmos essas três maneiras, notemos, em primeiro lugar, que estamos no início de uma nova seção, e não é o mero incidente que se torna o ponto focal, mas a Pessoa do Senhor. Isso nos lembra que primeiro sempre nos é apresentada a Pessoa, antes da doutrina, e que tudo o que se segue emana e opera de volta para o Senhor. Esta é uma lei que governa tudo nas Escrituras. O ensino nunca é algo isolado, e não devemos ser governados por um sistema de doutrinas, por mais elevadas e boas que elas sejam. O essencial é que tudo esteja relacionado à Pessoa, pois é a Pessoa que torna a doutrina viva e Quem a governa. Além da presença viva do Senhor em nossas vidas, o ensino consiste em algo meramente teórico.
 
Veremos agora algo a respeito da armadilha acima mencionada e as três maneiras pelas quais o principal objetivo do Evangelho de João é servido por ela.
 
A Superioridade de Cristo

Primeiramente, há o magnífico escape da armadilha, não por mera inteligência. Mera inteligência simplesmente resolveria o problema se desvinculando da dificuldade. Entretanto, aqui, a questão é muito mais abrangente, levantando tremendos fatores morais e espirituais, que desafiam o mundo – especialmente o mundo religioso. Não se trata meramente do fato de que aqueles que procuraram capturá-Lo foram frustrados em seu propósito ou desapontados em seu objetivo; eles são deixados com algo no que pensar, e esse algo, para eles, levanta questões fundamentais que estavam entre eles e Deus.
 
Em segundo lugar, como sendo parte dessas questões, algo aconteceu, que ninguém, além de Cristo, poderia suscitar. Encontre qualquer um desses líderes judeus no curso da vida cotidiana e busque, por meio de argumentos ou acusações, levar-lhes à convicção de pecado, trazendo um efeito que os levaria a fugir debaixo de condenação - tal coisa seria impossível. Eles estavam completamente satisfeitos com sua justiça própria. Não eram eles o povo escolhido de Deus, os que possuíam os oráculos e a quem pertenciam a aliança? Não eram eles sempre gratos por não serem como os outros homens? Não! Nenhuma tarefa poderia ser mais ingrata do que tentar leva-los à consciência de pecado. Mas aqui isso foi feito, e foram eles mesmos que proveram a base para isso. Ninguém, a não ser o Senhor Jesus, poderia trazer condenação ao coração do judeu por causa do pecado. Aqui vemos a verdade patente diante de nós: não se trata de doutrina, de filosofia do cristianismo ou de moralidade da religião cristã. Essas coisas não ajudariam em nada em situações como esta, mas toda a questão do pecado e da condenação está relacionada com a Pessoa. "O julgamento é este: que a luz veio..." [Jo 3:19]: "Eu sou a luz...” [Jo 8:12].
 
A Mudança da Lei para a Graça

A terceira coisa inerente a esse fragmento entre parênteses é a mudança de dispensação. De vez em quando, à medida que avançamos nos capítulos desse Evangelho, observamos o fato de que o capítulo 1 é a semente de todo o Evangelho e o que está ali em fragmentos é desenvolvido posteriormente. Isto é verdade no que diz respeito à passagem em consideração. No capítulo 1, versículo 17, temos: "Porque a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo". Que exemplo disso temos aqui. Eles disseram: "Moisés ordenou...." Essa era a lei, e, por essa lei, essa mulher deveria morrer. Mas quão magnificamente através de Jesus Cristo a graça e a verdade entraram. Mas, para isso, não teria havido escapatória para a mulher, no que dizia respeito à lei. Mesmo não desculpando o pecado ou o tornando menos pecaminoso, a graça provê um caminho de perdão e salvação. A lei se voltou para os próprios líderes judeus e os puniu em condenação. A graça encontrou um meio de escape para a mulher, a quem eles haviam procurado destruir por ter violado a lei, e ainda com relação a tal lei, eles mesmos provaram não ser inocentes.
 
Prosseguindo adiante, descobrimos que, com o que mencionamos estando logo no início, o capítulo 8 enfatiza o fato de que Cristo é a Luz, e o homem, por natureza, está em trevas, o que significa escravidão, e que a liberdade vem através do conhecimento e obediência à verdade. Cristo é aqui apresentado como a revelação de Deus e, como tal, Ele é a Verdade. Portanto, Conhecê-Lo e obedecê-Lo é o caminho da liberdade e da luz.
 
Cristo Escreve na Terra, Deus Escreve no Pó

Várias interpretações foram dadas ao ato de Cristo se abaixar e escrever no chão. Alguns pensam que Ele estava escrevendo os pecados dos judeus. Outros se contentam com a simples explicação de que Ele estava meramente demonstrando desprezo pelos acusadores dessa mulher por sua conduta desprezível; ou, na melhor das hipóteses, indiferença à sua tentativa de pegá-lo.
 
Não poderia haver algo mais profundo e mais rico do que isso nessa Sua conduta? Suas ações sempre foram tão cheias de significado, e vendo que Ele era a personificação perfeita do Evangelho, não poderíamos esperar ser guiados por esse ato para alguma realidade eterna mais ampla, visto que isso aconteceu de forma tão deliberada e repetida? Deus, mais de uma vez na história deste mundo, escreveu Sua mente no pó. De fato, esta tem sido uma forma deliberada e escolhida por Ele. Em Adão, Ele escreveu uma expressão de Si mesmo. Em Moisés, o dedo de Deus escreveu Seus pensamentos em tábuas de pedra. Estas foram expressões objetivas da mente de Deus; isto é, elas eram algo fora e separado do próprio Deus. Em Sua expressão plena e final, Ele, em graça, inclina-se até os homens para se associar com eles e, em humanidade, primeiro dá uma expressão de Si mesmo para salvação deles, antes do juízo. Esse inclinar é revelado na carta aos filipenses, capítulo dois. Da igualdade de Deus à semelhança de homem, e mais profundo ainda, Ele Se inclinou para livrar da maldição da Lei e da morte do pecado. Ele escreveu no pó desta terra, por todos nós – por essa mulher apanhada em pecado e por todos os outros - que "nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte" (Romanos 8: 1,2). "Deus... nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas..." (Hebreus 1: 1). Que inscrição! Que poeira! Que graça e verdade! "... Quem me vê a mim vê o Pai " (João 14: 9).
 
Ele bem que poderia se dar ao luxo de parecer indiferente à Lei e à seus representantes, ou não ter interesse no caso que Lhe foi trazido (como alguns interpretam o Seu ato), pois Ele bem sabia que a Lei seria cumprida e seu regime terminado com Sua vinda, assegurando, por um lado, uma perfeita satisfação de Deus no homem representativamente, e, por outro lado, a dispensação da graça: uma transição do exterior para o interior, do transitório para o permanente, do tipo terreno para a realidade celestial. Tudo está no sentido mais profundo da Filiação.
 
O Capítulo 9, a seguir, é realmente uma parte de algo único e, embora introduza vários fatores extras, torna-se uma grande lição objetiva da verdade enunciada no capítulo 8. Passaremos, portanto, imediatamente para o próximo capítulo.

Em consonância com o desejo de T. Austin-Sparks de que aquilo que foi recebido de graça seja dado de graça, seus escritos não possuem copirraite. Portanto, você está livre para usá-los como desejar. Contudo, nós solicitamos que, se você desejar compartilhar escritos deste site com outros, por favor ofereça-os livremente - livres de mudanças, livres de custos e livres de direitos autorais.